sábado, julho 18, 2009

O USO DISCIPLINADO DO DINHEIRO COMO EXPRESSÃO DA ESPIRITUALIDADE CRISTÃ - Parte V

Princípios de João Calvino para o ‘uso dos bens desta vida”
(Parte II)

3.5. Usemos deste mundo como se não usássemos:

Segundo Calvino, devemos usar os bens desta vida, mas não viver para usá-los, isto é, o abuso dos bens nos impedem de contemplar a vida celestial e de cuidar de nossa alma: “Aquele que nos ordena a que usemos este mundo como se não o usássemos, não somente nos proíbe toda falta de moderação em comer e beber, nos prazeres indecorosos e excessivos, na ambição, no orgulho e na fastuosidade (pomba, luxo) em nosso lar, como também em cada cuidado e afeto que faça diminuir nosso nível espiritual ou que ameace destruir nossa devoção (...)Cuidemos em converter em pedra de tropeço, tudo que o Senhor nos dê para enriquecer nossa vida (I Co 7.29-31)”. (p. 73,74)).

3.6. Suportemos a pobreza, vivamos moderadamente a abundância

Calvino escreve que não há virtude nenhuma naquele que vivendo na provação sofre de impaciência, mostrando o vício contrário na abundância. Segundo Calvino o grande ensinamento é que aprendamos a viver tanto na necessidade e quanto na abundância (Fp. 4.11-13). “Aquele que estiver inquieto ou insatisfeito por estar vivendo sob privações e humildade, não será capaz de guardar-se do orgulho e da arrogância quando desfrutar da opulência” (p.74).

3.7. Somos administradores dos bens de Deus.

Esta regra nos ensina que todas as coisas nos são dadas pela benignidade de Deus e são destinadas ao nosso bem e proveito, de forma que constituem como um depósito do qual um dia teremos que prestar contas. (Lucas 16.10-13)

3.8. Em todos os atos da vida devemos considerar nossa vocação.

Deus tem dado a cada um de nós, segundo Calvino, o que devemos fazer: “(...) cada um, pois, deve ater-se à sua maneira própria de viver, como se fosse num lugar próprio onde Deus o tem colocado, para que não ande vagando de um lado para outro sem propósito na sua vida”.

Calvino ensina-nos que se não temos presente nossa vocação como uma regra permanente, não poderá existir concordância e correspondência alguma entre as diversas partes de nossa vida. Por conseguinte, a vida daquele que não se aparta desta meta será bem ordenada e dirigida, porque nada se atreverá, movido de sua temeridade e amor a Deus, a intentar mais do que sua vocação lhe permite, sabendo, pois, que não é lícito ir mais além de seus próprios limites. Isto posto, a nossa vocação deve ser forma pela qual encaminhemos nossas vidas. Cada um, portanto, dentro de seu modo de viver, suportará incomodidades, angústias, pesares, se compreende “que não há obra alguma tão humilde e tão baixa que não resplandeça ante Deus, e seja muito preciosa em sua presença, contanto que sirvamos a nossa vocação” (p.77)


Rev. Ézio Martins de Lima


sexta-feira, julho 17, 2009

O USO DISCIPLINADO DO DINHEIRO COMO EXPRESSÃO DA ESPIRITUALIDADE CRISTÃ - Parte IV

Princípios de João Calvino para o ‘uso dos bens desta vida”

A preocupação com o uso disciplinado dos recursos materiais não é restrito ao nosso tempo. Calvino, como pastor amoroso e cuidadoso que era do rebanho que o Senhor lhe havia confiado, escreveu algumas regras (conselhos espirituais) para que os cristãos não ficassem confusos quanto a este assunto.

Por serem fundamentados nas Escrituras, estas regras de Calvino são princípios que não perderam sua importância.

3.1. Os extremos devem ser evitados

Quanto ao uso dos recursos materiais, João Calvino aponta dois extremos que devem ser evitados: a) na intenção de não caírem na intemperança e luxúria, alguns há que optam por quase absoluta abstenção de todos os bens, utilizando apenas o necessário para a sobrevivência; b) por outro lado, alguns defendem que a liberdade no uso dos bens não deve ser restringida por nenhuma classe de limitações, e isso na verdade é pretexto para desculpar sua intemperança e concupiscência da carne. Calvino diz que para evitarmos os extremos devemos nos conduzir segundo as regras gerais que a Escritura estabelece (I Co 7.30-31).

3.2. Devemos usar de todas as coisas segundo o fim para o qual Deus as criou.

Para combater as distorções quanto ao uso dos bens materiais Calvino aponta que Deus nos dá as bênçãos terrenas não para nosso prejuízo, mas para nosso benefício. Portanto, aquele que usa corretamente, e para o fim com que foram criados, não tem o que temer.

Calvino escreveu: “Se estudarmos, por exemplo, o motivo pelo qual Deus criou certas classes de alimentos, encontramos que Sua intenção era não só prover nossas necessidades, como também nosso prazer e deleite” (p. 71) e continua: “Se isto não fosse verdade, o salmista não teria enumerado entre as bênçãos divinas ‘... o vinho que alegra o coração do homem, o azeite que faz brilhar o rosto, e o pão que sustenta a vida do homem’.” (Salmo 104.15).

Calvino conclui que Deus nos agracia com os bens materiais para o nosso deleite e prazer, e não apenas para suprir nossas necessidades.

3.4. A verdadeira gratidão nos limitará em cometermos abusos

Para evitarmos os abusos, e, assim, usarmos de forma disciplinada os bens materiais, Calvino aponta que devemos recordar que todas as coisas nos têm sido dadas por Deus, por isso devemos reconhecê-lo como autor e dar-lhe graças por sua benignidade para conosco. Contudo Calvino adverte: “onde está a ação de graças, se comes tanto ou bebes em tal quantidade o vinho que te embebedas e te inutilizas para servir a Deus e cumprir com os deveres da tua vocação?” (p. 72).

Rev. Ézio Martins de Lima

quinta-feira, julho 16, 2009

O USO DISCIPLINADO DO DINHEIRO COMO EXPRESSÃO DA ESPIRITUALIDADE CRISTÃ - Parte III

O USO DO DINHEIRO: ENTRE A GRAÇA E A DISCIPLINA

A espiritualidade cristã oferece uma resposta concreta ao dilema moderno no que tange ao uso dos bens materiais, mas esta resposta não é simplista. A sedução das propagandas dos meios de comunicação alimenta os nossos desejos num ciclo consumista frenético, e não há passos simples para enfrentar um inimigo tão complexo.
Este uso espiritual do dinheiro é ao mesmo tempo fruto da graça de Deus quanto do nosso esforço. O paradoxo é apenas aparente, mas não de verdade. Aqui temos a mesma realidade do evangelho no que tange à nossa salvação. É a realidade simbiótica, inseparável, entre fé e obras. Nossa salvação é sola fide, somente pela fé, mas sem obras esta fé é morta. A verdade do evangelho vem ao nosso encontro pela graça de Deus, mas traz a marca da obediência aos princípios da Palavra revelada. Obediência, portanto, tem a ver com a minha resposta à Palavra de Deus, com aquilo que eu faço; e a prática destes princípios denominamos “disciplina espiritual”.
Somente libertos pela graça de Deus deste ciclo escravizador da sedução comercial, é que podemos marchar em liberdade com ações disciplinadas no uso espiritual dos recursos materiais.
A disciplina no uso do dinheiro começa com a compreensão de que sou chamado para fazer algo. A passividade neste caso é deixar o controle da nossa vida nas mãos daqueles que trabalham arduamente para nos convencer a entrar na roda do consumismo.
Disciplina aqui envolve decisões simples como:
a) fazer um orçamento doméstico que envolva todos os membros da família
b) usar o dinheiro naquilo que realmente é necessário, ao invés de permitir que os ‘desejos’ alimentados pela propaganda e consumismo controlem as nossas ações.
c) decidir por uma vida simples, tendo consciência que o ter mais não nos torna melhores.
d) comprar menos, (e deixar de comprar mais), e utilizar parte dos recursos para ajudar a quem pouco tem.
e) Ria das propagandas e da mentiras que elas pregam, quando afirmam, por exemplo, que determinado produto te fará mais bonito(a), mais feliz ou realizado(a). Desminta estas propagandas para os seus filhos e para si mesmo!
f) Entregue seu dízimo como expressão de seu compromisso com a obra de Deus, mas também como uma confissão de que você é capaz de se dispor de determinada quantia porque você é livre do apego ao dinheiro.
Há inúmeras ações, coloquei estas apenas para exemplificar. Decidir executar estas e outras ações quanto ao dinheiro será um ato de disciplina, mas depois de cumpri-las você perceberá que só foi possível pela graça de Deus. Assim, podemos compreender a palavra do Apóstolo Paulo aos irmãos e irmãs de Filipos: “porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade”.(Filipenses 2.13)

Rev. Ézio Martins de Lima

quarta-feira, julho 15, 2009

O USO DISCIPLINADO DO DINHEIRO COMO EXPRESSÃO DA ESPIRITUALIDADE CRISTÃ - Parte II

Dicotomia, não!


Podemos definir dicotomia como a separação dos assuntos materiais dos assuntos espirituais. A dicotomia é a separação da “religião” e os “negócios”, da fé e as circunstâncias da vida, porque concebe que as coisas relacionadas ao corpo e ao que é material são essencialmente ruins, enquanto as coisas relacionadas à alma são essencialmente boas. Ora, isso pode ser tudo, menos bíblico. A fé cristã envolve a vida em todas as suas dimensões, e não partibiliza os setores da existência humana em gavetas diferenciadas.

O filósofo Gadamer escreveu que “o símbolo manifesta a presença de algo que está realmente presente”. Nisso ele pretendia dizer que uma religiosidade indefinida é religiosidade sem sentido. A experiência cristã resolvida é consciente dos desafios onde está inserida, e aplica nela os significados dos símbolos de fé que professa. A fé, portanto, não pode ser dissociada da vida, pois se o for, para que serve? Haja vista que a fé cristã é a fé que se expressa na vida e em todos os seus aspectos, os cristãos não podem encontrar dificuldades em viver sua espiritualidade, aplicando os princípios daquilo que crêem em todas as circunstancias da sua vida, e isso inclui, obviamente, o uso do dinheiro.

Por isso, o uso do dinheiro é também um capítulo da espiritualidade cristã. Quando lemos a palavra “espiritualidade” temos a tendência de imaginar pessoas genuflexas dentro de um mosteiro. Vista assim, este assunto de espiritualidade não parece combinar em nada com a vida agitada que a maioria de nós enfrenta todos os dias. Contudo, a espiritualidade cristã genuinamente bíblica é experimentada em todas as áreas da vida e em todo tempo. Havendo dicotomia, há por certo algo errado (I Co 10.31).

E como a espiritualidade cristã pode ajudar-nos no uso disciplinado dos recursos materiais? Ora, a espiritualidade cristã é a vida livre de todas as tiranias: “Para a liberdade foi que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes e não vos submetais, de novo, a jugo de escravidão”. ( Gl. 5.1 ; Cf. João 8.36). Esta liberdade em Cristo permite-nos ver as coisas materiais, e o dinheiro de forma específica, como são: bens para usarmos, e não para escravizar-nos, bens para usufruirmos a vida, e não para oprimi-la.

Rev. Ézio Martins de Lima

continua...

terça-feira, julho 14, 2009

Pastores que oprimem - Feridos em nome de Deus

Dando uma pausa na conversa sobre espiritualidade e dinheiro, estou postando a intrevista com a jornalista Marília Camargo César, autora do livro "Feridos em nome de Deus". Estou lendo este livro, e que recomendo especialmente aos pastores.
Um forte abraço a todos,
Ézio Lima



Adriano era um profissional com futuro promissor. Advogado formado pela prestigiada Universidade de São Paulo, a USP, ele ainda ocupava a função de obreiro na igreja que frequentava. Aspirava ao pastorado – o que, conforme a própria Bíblia, é uma excelente opção para o crente. Fiel ao seu líder espiritual, Adriano costumava seguir seus conselhos e determinações à risca, entendendo que desta forma estava agradando a Deus. Chegou a fazer um voto público de lealdade ao dirigente. “Ele fazia uma espécie de mantra em torno do versículo que diz que quem honra o profeta recebe galardão de profeta”, lembra. Gradativamente, o jovem obreiro passou a negligenciar suas responsabilidades fora da igreja, como o trabalho e o cuidado com a família, tudo em prol daquele seu voto. Submetia-se a condições duras, enquanto o pastor não se furtava a luxos como mesas fartas e carros importados. A mulher e os dois filhos de Adriano acabaram abandonando-o, não suportando o controle exercido pelo pastor sobre sua vida. Frustrado, o advogado fraquejou na fé, envolveu-se com outras mulheres e acabou engravidando uma delas.


A vida do rapaz virou do avesso. Hoje, Adriano aguarda o nascimento do bebê inesperado e preocupa-se com o baixo orçamento e a impossibilidade de rever constantemente os filhos, que vivem com sua ex-mulher. “É uma loucura o dano que meus filhos sofreram por causa disso tudo. Não há indenização que pague o que esse pastor causou em minha vida”, desabafa. Este e outros relatos, verídicos apesar da omissão dos nomes verdadeiros, constam do livro Feridos em nome de Deus (Mundo Cristão), da jornalista evangélica Marília Camargo César. A partir do depoimento de gente que se considera vítima de líderes religiosos autoritários, a autora realiza um estudo sério sobre essa realidade, analisando as diferentes situações envolvidas no círculo de abuso com sensibilidade e propriedade. A obra descreve as diferentes formas que o abuso religioso pode assumir – pastores que dominam suas ovelhas sob o ponto de vista emocional, financeiro e psicológico, quase sempre com consequências ruins. “O líder impõe sua visão de mundo sobre a ovelha, e esta a aceita como uma ordem divina que precisa ser obedecida, sob pena de punição”, diz Marília (ver quadro).

“O abuso espiritual poderia ser definido como o encontro entre uma pessoa fraca e uma forte, em que a segunda usa o nome de Deus para influenciar a outra e levá-la a tomar decisões que acabam por diminuí-la física, material ou emocionalmente”, define Marília. O problema acontece mais comumente em igrejas pentecostais, onde geralmente o líder tem maior autonomia e pode apelar para elementos empíricos, como supostas profecias ou revelações para legitimar seu domínio sobre a vida dos fiéis. Estabelece-se então uma relação que vai muito além do saudável discipulado bíblico e pode envolver áreas pessoais da vida do crente. “A obediência ao líder não pode ser cega. Todo ensino deve ser confrontado com as verdades bíblicas, para evitar desvios de rota”, adverte o pastor Paulo Romeiro, autor dos livros Supercrentes e Decepcionados com a graça, lançados pela mesma editora, em que aborda, entre outros assuntos, a questão do controle exagerado do rebanho pelos pastores. Para o estudioso, no entanto, um erro não pode justificar outro: “A Epístola aos Hebreus que ordena explicitamente: ‘Obedeçam aos seus líderes e submetam-se à autoridade deles. Eles cuidam de vocês como quem deve prestar contas. Obedeçam-lhes, para que o trabalho deles seja uma alegria e não um peso, pois isso não seria proveitoso para vocês’”, recita.

“Porta-voz divino” – Quando o círculo do abuso religioso é analisado mais de perto, nota-se que ambas as partes, abusado e abusador, sofrem no processo. A base dessa semelhança está no fato de que, em um dado momento, as duas pontas perderam o controle, sua identidade e a própria dignidade. “Quem exagera no autoritarismo também foi ou está sendo vítima de abuso”, aponta o pastor batista Ed René Kivitz. Ele explica que a figura de um pastor único não tem respaldo do Novo Testamento. “A única vez em que a palavra ‘pastor’ é usada no singular é para se referir a Jesus. Em todas as demais, é usada no plural, para indicar um grupo de anciãos, ou presbíteros, que zela pelo bem-estar de toda a comunidade.” Nesse caso, a autoridade fica dividida entre um colegiado, o que dificulta a possibilidade de haver exageros no controle da obra de Deus e força os líderes a prestarem contas uns aos outros.

Fato é que muito sofrimento poderia ser evitado nas igrejas se os fiéis estivessem mais preparados para reconhecer os abusadores ou o ambiente propício para formá-los. O pastor Ricardo Gondim, dirigente da Igreja Betesda em São Paulo, realizou um estudo expondo algumas características comuns aos pastores abusadores. Entre estas, encontra-se a postura incontestável do líder, o qual passa a ter a palavra final para todas as questões, tornando-se dono da verdade, uma espécie de “porta-voz divino”. “O medo na relação entre o fiel e seu pastor pode ser um sinal de problemas, pois essa relação deve ser permeada de amizade sincera, doação, afeto e solidariedade”, comenta Gondim.

Autoritarismo, manipulação e desrespeito

Autora do livro Feridos em nome de Deus, a jornalista Marília Camargo César falou sobre as dimensões que o abuso espiritual pode ter na vida de fiéis submetidos a lideranças eclesiásticas autoritárias. “Mas é possível identificar o problema e lidar com suas consequências”, diz, nesta entrevista a CRISTIANISMO HOJE:

CRISTIANISMO HOJE – A senhora diz que a motivação para escrever o livro foi um caso de abuso espiritual que presenciou. Fale sobre essa experiência.

MARÍLIA CAMARGO CÉSAR – Não fui, particularmente, machucada por pastores, porque não andava rotineiramente muito próxima deles, embora convivêssemos bem. Mas testemunhei, na vida de amigos próximos, o estrago que o convívio com nossas antigas lideranças produziu. Muitas histórias de abuso começaram a aparecer depois que um dos pastores de nossa antiga comunidade afastou-se por motivo de saúde. Pessoas que caminhavam bem perto daquele líder começaram a contar histórias tenebrosas de abuso de poder, manipulação psicológica e tirania explícita. As vítimas de abuso eram pessoas adultas e com uma boa formação socioeconômica, por isso eu não conseguia entender como haviam se deixado manipular daquele jeito, só tendo coragem de denunciar o que havia depois que ele se afastou.

Qual foi o caso mais grave de abuso que a senhora conheceu enquanto escrevia o livro?

Foi o caso de uma jovem que sofria de uma doença degenerativa rara – miastenia gravis – e que foi simplesmente massacrada por sua congregação porque não alcançou plenamente a cura. Além desse problema, ela foi levada a crer, pelo pastor, que deveria orar e investir num relacionamento afetivo com um rapaz da igreja, situação que acabou lhe causando enorme constrangimento quando ele apareceu na igreja com uma nova namorada. De certa forma, foi bom para ela, porque o embaraço serviu-lhe para mostrar o nível de adoecimento daquela comunidade, o nível de fundamentalismo que praticavam, e isso acabou por abrir os seus olhos. Ela saiu da igreja e, até onde eu sei, não fez parte de nenhuma outra congregação desde então.

Em sua opinião, quais são os principais tipos de abuso espiritual e suas características?

O livro fala de abuso de poder, de abuso financeiro, mas mostra as nuances do abuso que julgo mais sutil e difícil de identificar, mas bastante devastador da mesma forma, que é o abuso de ordem psicológica ou emocional. O líder impõe sua visão de mundo sobre a ovelha, e esta a aceita como uma ordem divina que precisa ser obedecida, sob pena de punição. O pastor diz, por exemplo, que o discípulo deve casar-se com determinada pessoa, porque teve uma “visão” de que esta era a vontade de Deus para a sua vida. Não importa que não haja, a princípio, nada em comum que possa unir aquele casal. E o fiel obedece. O pastor fala para uma mulher que apanha sistematicamente de seu marido que ela deve fidelidade a ele, porque isso é bíblico. Ou então fala para uma pessoa com uma doença grave que ela ainda não foi curada porque está fraquejando na fé. Todos esses são exemplos reais de pessoas que só se recuperaram emocionalmente após muitas horas de psicoterapia. E, claro, após deixarem essas igrejas.

E por que as pessoas deixam a situação chegar a tal ponto?

Depois de escrever o livro, compreendi que, quando acreditamos estar sofrendo alguma coisa por amor a Deus, aguentamos as piores humilhações. Aquelas pessoas acreditavam, sinceramente, que estavam sendo disciplinados por profetas do Senhor para o seu próprio bem e crescimento espiritual, quando na verdade estavam sendo é espezinhados emocionalmente.

Como os abusos podem ser evitados?

Maturidade espiritual não é alguma coisa trivial, que se alcance da noite para o dia. É preciso uma longa caminhada, tolerância e paciência; o fiel precisa estar bem acompanhado – e aí se incluem lideranças maduras, com uma boa formação, saudáveis física, psicológica e teologicamente, que possam ensinar um cristianismo autêntico, vivo e não-fundamentalista. É preciso também cercar-se de amigos verdadeiros, que nos apoiem e não fiquem nos julgando quando falamos aquilo que estamos sentindo, por mais horrível que isso possa ser.

segunda-feira, julho 13, 2009

O USO DISCIPLINADO DO DINHEIRO COMO EXPRESSÃO DA ESPIRITUALIDADE CRISTÃ - Parte I


“Alguém vai dizer: “Eu posso fazer tudo o que quero.” Pode, sim, mas nem tudo é bom para você. Eu poderia dizer: “Posso fazer qualquer coisa.” Mas não vou deixar que nada me escravize.” (I Co 6.12 - NTLH)


Introdução:

Escrevo este texto como um aprendiz, e não como um mestre. Quando se trata do tema do uso disciplinado dos recursos materiais, o que nesta lição consideramos como a “expressão da espiritualidade cristã”, é bom que iniciemos com o reconhecimento de que travamos uma batalha constante e desleal. A cultura contemporânea é atormentada pela paixão de possuir. Os propagandistas dos produtos de bens de consumo usam incansavelmente todos os meios de comunicação com o fim de nos convencer que ‘necessitamos” do produto ofertado. Diante do turbilhão da sedução de comprar mais e mais e mais, logo descobrimos que o nosso desejo sobrepuja em muito não somente a tendência de comprar além daquilo que realmente necessitamos, mas também os recursos dos quais dispomos. As conseqüências são óbvias! Envoltos numa obsessão por comprar mais e mais, tornamos não apenas escravos dos desejos que a propaganda projeta em nós, como também entramos num processo de endividamento do qual muitos se tornam prisioneiros. O ciclo precisa ser rompido. A questão é: isto é possível?

No presente estudo pretendo demonstrar que o uso disciplinado do dinheiro é possível. O ciclo do consumismo frenético pode ser rompido; e isso é possível quando compreendemos e vivemos sob a perspectiva de que o uso dos recursos materiais também é uma expressão da espiritualidade cristã.

O estudo será divida em 3 tópicos:

1) Dicotomia não! O uso do dinheiro também é uma expressão da nossa espiritualidade;

2) Disciplina: entre a graça e o esforço;

3) Regras de Calvino para o ‘uso dos bens desta vida”;

Continuaremos a conversa amanhã! Abraços!

Rev. Ézio Martins de Lima


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