sexta-feira, setembro 21, 2007

Vida sem Graça!


“Nós amamos porque Ele nos amou primeiro”

1ª João 4.19


Quando a o legalismo ocupa o lugar do amor não há espaço para a Graça. O legalismo nos faz medir as pessoas pelos seus méritos, virtudes e utilidade, conceitos que são extremamente perigosos já que nossa medida já está contaminada pelos nossos interesses e pré-conceitos. Por isso é que Jesus advertiu-nos para que não medíssemos as pessoas, porque seremos medidos com a mesma medida que utilizamos... (Mateus 7.1-2).
Quantas vezes emitimos um julgamento precipitado, insano e irresponsável a respeito das pessoas! Ouvimos falar algo sobre alguém, ou damos uma primeira olhadela em uma determinada pessoa, e já tiramos todas as conclusões... Portamo-nos como se tivéssemos um raio X nos olhos capaz de ler as intenções e os sentimentos já no primeiro olhar lançado sobre o outro. Portamo-nos como se nunca errássemos, mentíssemos, falhássemos com os outros. Portamo-nos como juízes da integridade, sentados no trono do nosso egoísmo, portando o cajado de nossas perfeições e podendo, assim, emitir julgamentos precisos sobre todos e qualquer um...
Quando Samuel chegou na casa de Jessé e viu a Eliabe, imediatamente disse: “Certamente está perante o Senhor o seu ungido”. Samuel ficou impressionado com a aparência, por isso o Senhor lhe advertiu: “Não atentes para a sua aparência, nem para a sua altura (...); porque o Senhor não vê como vê o homem. O homem vê o exterior, porém o Senhor, o coração” (I Samuel 16.7).
Não somos autorizados a medir as pessoas porque não temos capacidade para tanto. Deus não nos deu esta capacidade porque somente Ele possui o juízo isento de qualquer falha. Todo juízo humano emitido está maculado pelo pecado e pelas incoerências humanas. Inclusive os processos de disciplina dentro da Igreja, tomados por conselhos ou assembléias, não estão isentos de falhas. Isso, obviamente, não nos permite deixar de zelar pela pureza da Igreja de Jesus utilizando-nos da disciplina instituída por Deus e que, para nós reformados, é uma das marcas distintivas da Igreja Verdadeira. Contudo, na disciplina eclesiástica, é a Graça que deve ser central, e não a Lei.
Quando a Graça não encontra lugar em nosso coração, a Lei nos torna cegos para o amor que vem de Deus. Quando estamos cegos ao amor de Deus, não existe perdão, reconciliação, aperto de mão, olhos nos olhos, ombros que se doam ao outro para o consolo... Não! Onde faltou o amor, a tirania do egoísmo e do legalismo triunfou.
É possível que você que lê estas linhas já tenha passado pelo terrível juízo emitido de forma insana, irresponsável e presunçosa. Todos nós em um dado momento na vida sentimos esta dor tenebrosa. Os ouvidos dos outros se fecham às nossas palavras! Não existe ouvido atendo quando o amor está ausente. Ouvidos ficam fechados e os lábios cerrados para as palavras de graça e bondade. As palavras que ouvimos são como flechas que dilaceram o coração já machucado pela incompreensão e desprezo...
Há pessoas que saem pela vida ferindo, machucando e desprezando aos outros porque estão vivendo na ausência da graça. Isso é que é “Vida sem Graça”! Vida sem Graça é julgar antes de conhecer. É se afastar antes de se aproximar, é permitir que a força do ódio seja mais forte que a força do amor. Vida sem Graça é vida marcada pelo egoísmo que não pensa na felicidade alheia, mas tão somente nos próprios interesses, ou na defesa dos seus conceitos e pré-conceitos. Vida sem graça é vida marcada pela rejeição, pelo bloqueio do diálogo, incompreensão, da negação de andar juntos, da negação de ouvir...
Não permita que sua vida seja sem Graça. Não permita que seus pensamentos, palavras e ações sejam dominados pelo legalismo que não consegue perceber a dor do outro. Deixe fluir do seu coração a Graça capaz de fazer pontes sobre os mais profundos abismos cavados pelo legalismo!
Em Cristo,

Rev. Ézio Martins de Lima

quarta-feira, setembro 19, 2007

SOLIDÃO E SOLITUDE





Não consigo dormir; pareço um pássaro solitário no telhado”.
(Salmo 102.7)

A solidão é uma visita indesejável. Quando, então, a solidão deixa de ser visita e se torna uma companhia constante, o coração parece chorar o sofrimento mais difícil de suportar: aquele que se sofre sozinho.
Quando decidimos ficar sozinhos – para meditar e orar, por exemplo, a solidão muda de nome. Ela deixa de ser visita que incomoda, porque é minha decisão visitar a solidão. Quando voluntariamente decido visitar a solidão, ela se transforma em solitude. Solitude é estar só, mas não solitário. É estar só, mas com plena capacidade de estar em comunhão consigo mesmo e com Deus.
Quem não consegue estar em solitude possivelmente sofrerá o terrível mal da solidão. E a pior tragédia que acomete aos solitários é o sentimento de angústia, resultante da sensação de nulidade. A dor que lateja no coração solitário é a dor de estar desacompanhado de si mesmo. É não-estar-em-si. É sentir-se perdido dentro de si mesmo. É tentar encontrar-se, mas só conseguir encontrar a ausência, o vazio...
Solidão existencial é a crise do ser humano diante de si mesmo. É a nossa incapacidade de lidar com aquilo que nos é peculiar. Caímos enfermos quando somos acometidos de solidão justamente porque a solidão é a presença da ausência, e sentir-se ausente de si mesmo leva o ser humano a crises cujas conseqüências são desastrosas.
A solidão pode acometer-nos quando somos tolhidos da presença daquilo que mais amamos. Quando perdemos a presença daquilo a que damos o nome de “sentido da nossa vida”, então a solidão invade e nos domina. Se damos a algo o nome de “sentido da nossa vida” então quando perdermos este algo seremos possivelmente dominados pela solidão.
A solidão, por isso, tem um aspecto positivo. Mostra-nos o desajuste no qual nos encontramos por não ter a presença daquilo ao que damos o nome de essencial. Resolver o problema da solidão, portanto, sugere ou que tenhamos aquilo que desejamos, ou que mudemos os nomes que previamente já programamos dentro de nós como essencial para nós. O segundo passo, claro, é bem mais complexo, contudo pode ser o melhor caminho se o primeiro for inviável, haja vista que geralmente os solitários crônicos não sabem o real motivo da sua solidão. Dizem: “sinto-me sozinho, mas não sei o porquê”. Ora, se não se sabe “o porquê”, talvez seja por ele não existir mesmo. Alguns teóricos denominam isso de “solidão essencial”.
A cura para solidão essencial é dar sentido à existência. Damos sentido à existência quando reconhecemos que precisamos buscar a presença que nunca se faz ausente. Ora, não podemos dizer isso em relação às coisas e nem às pessoas, já que coisas podem ser perdidas, roubadas, quebradas, destruídas... e as pessoas podem nos abandonar, rejeitar, trair, morrer... A Presença, portanto, que nunca se faz ausência é aquela que só podemos encontrar em Deus, na pessoa de seu Filho Jesus Cristo, que disse aos seus discípulos: “eis que estou convosco todos os dias até a consumação dos séculos” (Mateus 28.20). O verbo usado por Jesus merece atenção! Ele não diz, “estarei” ou “estive”, mas “ESTOU”. À medida que nos entregamos totalmente ao senhorio de Jesus, Ele se faz presente conosco. Não nos deixa. Não nos abandona. Não nos frustra. Não nos decepciona. Sempre presente. Revelando seu amor, paz, alegria, vida em abundância, graça e misericórdia. Ele não nos deixa nem nos momentos que nos sentimos solitários e nos esquecemos da sua promessa. Por isso Davi orou confiadamente: “Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal nenhum, PORQUE TU ESTÁS COMIGO...”. (Salmo 23.4)
Troque sua solidão pela solitude. Peça Jesus para inundar seu coração com a Sua doce e poderosa presença.

Rev. Ézio Martins de Lima

terça-feira, setembro 18, 2007

Espiritualidade com todas as motivações erradas


Estou postando uma entrevista do Rev. Eugene Peterson, na qual ele fala sobre mentiras e ilusões que estão destruindo a igreja. A entrevista foi feita por Mark Galli, e foi publicada na Christianity Today. Março de 2005, Vol. 49, Nº 3, Página 42.
Vale a pena ler!!


Eugene Peterson tinha toda uma vida de publicações antes de escrever The Message (A Mensagem). E pode-se dizer que foram elas que conduziram, pelo menos em parte, à renovação atual da espiritualidade cristã entre pastores e leigos. Em livros como Five smooth stones for pastoral work (Cinco pedras lisas para o trabalho pastoral), Corra com os cavalos, A long obedience in the same direction: discipleship in an instant society (Uma longa obediência na mesma direção: discipulado em uma sociedade instantânea), e O pastor contemplativo, Peterson expôs a superficialidade do cristianismo estadunidense, e ofereceu uma alternativa estimulante e revigorante. Na mesma linha, Peterson volta a escrever sobre a vida cristã em Christ plays in ten thousand places: A conversation in spiritual theology (Cristo joga em dez mil lugares: Uma conversa sobre a teologia espiritual, Eerdmans, 2005). O livro é o primeiro de uma série planejada de cinco volumes, na qual Peterson sistematizará temas que ele abordou nas últimas três décadas – a formação espiritual, as Escrituras, liderança, a igreja, o pastoreio, o direcionamento espiritual. O primeiro volume é um tour de force em teologia espiritual, combinando uma análise cultural e exposição bíblica incisivas com uma visão extensa e atraente da vida cristã. Tudo o que Peterson escreve parte do seu trabalho como pastor, desenvolvido principalmente na igreja presbiteriana Christ our King em Bel Air, Maryland, um subúrbio de Baltimore. Ele foi o pastor fundador da igreja, que chegou a contar com 500 membros antes de ele a deixar, 29 anos depois. De lá ele foi para o Seminário Teológico de Pittsburgh, e depois para o Regent College, em Vancouver, British Columbia. Ele agora está “aposentado”, vivendo em sua casa em Montana, mas em seu coração continua sendo um pastor que se importa profundamente com a vida cristã no contexto da igreja local. Quando Peterson estava terminando de escrever Christ Plays in Ten Thousand Places, o editor gerente da revista Christianity Today, Mark Galli, conversou com ele sobre temas sugeridos pelo seu livro e pela sua vida.


Qual é o maior engano quando se fala em espiritualidade?
É achar que ela é uma espécie de forma especializada de ser cristão, que você precisa ter alguma espécie de poder. Isso é elitista. Muitas pessoas são atraídas à espiritualidade com motivações erradas. Outros tiram o corpo fora: “Eu não sou espiritual. Eu gosto de ir ao futebol, ou a festas, ou quero crescer na minha carreira”. Na verdade, eu tento evitar essa palavra.

Muitas pessoas supõem que espiritualidade é ficar emocionalmente íntimo de Deus.

Isso é uma visão ingênua da espiritualidade. Estamos falando de vida cristã. É seguir a Jesus. A espiritualidade é exatamente igual àquilo que fazemos a dois mil anos, ir à igreja e receber os sacramentos, ser batizados, aprender a orar, e ler as Escrituras da maneira correta. São as coisas normais. Essa promessa de intimidade é ao mesmo tempo correta e equivocada. Existe uma intimidade com Deus, mas é como qualquer outra intimidade; faz parte da substância da vida. No casamento você não se sente íntimo na maioria do tempo. Nem com um amigo. A intimidade não é, em primeiro lugar, uma emoção mística. É um modo de viver, uma abertura para a vida, honestidade, uma certa transparência.


A tradição mística não sugere o contrário?

Uma das minhas histórias favoritas é com Teresa de Ávila. Ela está sentada na cozinha com um frango assado. Ela segura o frango com as duas mãos, e simplesmente o devora. Uma das freiras entra e fica chocada com o que vê, com o comportamento dela. Teresa de Ávila diz: “Quando eu como frango, eu como frango; quando eu oro, eu oro”.

Se você ler sobre os santos, eles são pessoas normais. Eles têm momentos de arrebatamento e êxtase, mas isso é uma vez a cada 10 anos. E mesmo assim, quando acontece é uma surpresa. Eles não fizeram nada. Nós temos que desobrigar as pessoas dessas ilusões sobre o que é a vida cristã. É uma vida maravilhosa, mas não da maneira que muitos querem que ela seja.

Mas os evangélicos dizem às pessoas, corretamente, que elas podem ter um “relacionamento pessoal com Deus”. Isso sugere um certo tipo de intimidade espiritual.

Todas essas palavras são tão desgastadas em nossa sociedade. Se intimidade significa ser aberto, honesto e autêntico, não usar máscaras, ou não precisar ser defensivo e negar quem eu sou, isso é maravilhoso. Mas na nossa cultura, a intimidade tem conotações sexuais, uma espécie de completude. Então eu quero intimidade porque eu quero mais da vida. Raramente as pessoas pensam em sacrifício, em dar, em ser vulnerável. Isso são duas maneiras diferentes de ser íntimo. E no nosso vocabulário estadunidense, a intimidade geralmente está relacionada a conseguir alguma coisa do outro. Isso estraga tudo.

É muito perigoso usar a linguagem da cultura para interpretar o evangelho. O nosso vocabulário precisa ser refinado e testado pela revelação, pelas Escrituras. Nós temos um bom vocabulário e uma boa sintaxe, e é bom que nós comecemos a prestar atenção neles. Porque essa mania de usar palavras aleatoriamente, palavras de outros contextos, para conquistar os não cristãos, não é muito saudável.


Essa corrupção da palavra espiritualidade, mesmo nos meios cristãos, tem alguma coisa a ver com o movimento da Nova Era?

Essas coisas de Nova Era já são Velha Era. Já se fala nisso a um bom tempo. É um atalho barato para – acho que precisamos usar essa palavra – a espiritualidade. Significa evitar o comum, o cotidiano, o físico, o material. É uma forma de gnosticismo, e tem um apelo terrível, porque é uma espiritualidade que não tem nada a ver com lavar a louça, ou trocar fraldas, ou ir para o trabalho. Não existe muita integração com o trabalho, com as pessoas, o pecado, os problemas, as dificuldades.

Eu fui pastor grande parte da minha vida, durante mais ou menos 45 anos. Eu amo isso. Mas, para ser sincero, as pessoas que mais me dão trabalho são as que vêm me perguntar: “Pastor, como eu posso ser espiritual?” Esqueça esse negócio de ser espiritual. Que tal amar o seu marido? É um bom lugar para começar. Mas não é isso que eles querem. Que tal aprender a amar seus filhos, aceitá-los como são? O meu nome nem deveria estar ligado à espiritualidade. Mas ele está profundamente ligado. Eu sei. Então, alguns anos atrás, eu recebi o vergonhoso cargo de ser professor de “teologia espiritual” no Regent. E aí, fazer o quê?


Você faz a espiritualidade parecer tão mundana.

Eu não quero sugerir que as pessoas que seguem a Jesus nunca se divertem, que não há alegria, exuberância, êxtase. É só que essas coisas não são o que os consumidores acham que elas são. Quando nós fazemos propaganda do evangelho usando os valores do mundo, nós mentimos para as pessoas. Nós mentimos para elas, porque essa é uma vida nova. Ela envolve seguir a Jesus. Envolve a cruz. Envolve a morte, um sacrifício aceitável. Nós desistimos de nossas vidas.

O Evangelho de Marcos é uma boa imagem para isso. A primeira metade do Evangelho traz Jesus mostrando às pessoas como viver. Ele cura todo mundo. Então, bem na metade, ele muda. Ele começa a mostrar para as pessoas como morrer: “Agora que vocês têm a vida, eu vou mostrar para vocês como desistir dela”. É essa a vida espiritual. É aprender a morrer. E quando você aprende a morrer, você perde todas as suas ilusões, e você começa a ser capaz da verdadeira intimidade e do amor.

Isso envolve uma espécie de passividade aprendida, de modo que nosso relacionamento com os outros seja marcado, em primeiro lugar, por receber, nos submeter, em vez de dar, conseguir e fazer. Nós não conseguimos fazer isso muito bem. Nós fomos treinados para pensar positivo, para conseguir, aplicar, ou consumir e fazer.

Arrependimento, morrer para si mesmo, submissão... Não são ganchos muito atraentes para trazer pessoas à fé Eu acho que no momento que você coloca as coisas nesses termos, você vai ter problemas. Porque daí nós ficamos do mesmo lado do mundo consumidor, e tudo se torna um produto feito para dar alguma coisa a você. Nós não precisamos de mais nada. Nós não precisamos de algo melhor. O que nós queremos é vida. Estamos aprendendo a viver.

Eu acho que as pessoas estão de saco cheio de consumismo, mesmo que estejam viciadas nisso. Mas se nós apresentarmos o evangelho falando de benefícios, estamos preparando as pessoas para a decepção. Estamos mentindo.

Não foi desse jeito que as Escrituras foram escritas. Não foi assim que Jesus veio para estar entre nós. Não era isso que Paulo pregava. De onde a gente tira esse troço? Nós temos um manual. Temos as Escrituras. E a maioria do tempo estamos dizendo: “Vocês estão indo para o lado errado. Dêem meia volta. A cultura está envenenando vocês”.

Será que percebemos o quanto a cultura de Baal em Canaã está reproduzida exatamente na cultura da igreja estadunidense? A religião de Baal é aquilo que faz você se sentir bem. O culto a Baal é uma imersão total no proveito que eu posso tirar das coisas. E, é claro, era um sucesso tremendo. Os sacerdotes de Baal conseguiam juntar multidões que batiam os seguidores de Javé numa proporção de 20 para 1. Havia sexo, empolgação, música, êxtase, dança. “Nós temos mulheres aqui, amigos. Nós temos estátuas, mulheres e festas”. Era um negócio fantástico. E o que os hebreus tinham para oferecer? A Palavra. O que é a Palavra? Bom, pelo menos os Hebreus tinham festas!


Mesmo assim, o grande atrativo ou benefício da fé cristã é a salvação, não? “Creia no Senhor Jesus Cristo e você será salvo”. Não podemos usar isso para atrair legitimamente as pessoas?

É a melhor palavra que nós temos – salvação, ser salvo. Somos salvos de um modo de vida em que não havia ressurreição. E estamos sendo salvos de nós mesmos. Uma maneira de definir a vida espiritual é estar tão cansado e de saco cheio de você mesmo que você procura algo melhor, que é seguir a Jesus.

Mas no momento em que começamos a fazer propaganda da fé falando de benefícios, só estamos piorando o problema do ego. “Em Cristo, você é melhor, mais forte, mais agradável, você curte um êxtase”. Mas é só mais ego. Ao invés disso, nós queremos deixar as pessoas de saco cheio delas mesmas, para que comecem a olhar para Jesus. Todos nós conhecemos um tipo específico de pessoa espiritual. Ela é uma pessoa maravilhosa. Ela ama o Senhor. Ela ora e lê a Bíblia o tempo todo. Mas ela só pensa nela mesma. Ela não é uma pessoa egoísta. Mas ela sempre está no centro de tudo o que ela faz. “Como eu posso ser uma testemunha melhor? Como eu posso fazer isso melhor? Como eu posso resolver o problema dessa pessoa melhor?” É eu, eu, eu. Mas com um disfarce que torna difícil de enxergar a verdade, porque a conversa espiritual dela nos desarma.


Então como devemos enxergar a vida cristã?

No domingo passado, na igreja, havia um casal na nossa frente com duas crianças bagunceiras. Dois bancos atrás de nós, havia um outro casal, que também tinha dois filhos, e as crianças faziam muito barulho. Os membros da nossa igreja são principalmente gente mais velha. São pessoas que já viveram suas vidas. Os seus filhos já foram embora a um bom tempo. Então não foi um culto muito agradável; simplesmente não foi um bom culto. Mas quando terminou, eu vi meia dúzia dessas pessoas idosas ir até a mãe das crianças e abraçá-la, fazer carinho nas crianças, fazer amizade com ela. Eles podiam ter ficado irritados.

Agora, porque as pessoas vão a uma igreja assim quando poderiam ir a uma igreja que tenha creche, ar-condicionado, e tudo o mais? Bom, porque são luteranos. Eles não se importam em se sentir mal! Luteranos noruegueses!

E essa mesma igreja acolheu recentemente uma jovem com um bebê e um filho de três anos. As crianças foram batizadas a algumas semanas atrás, mas não tinha nenhum homem. Ela nunca se casou; cada uma das crianças é filho de um pai diferente. Ela aparece lá na igreja e quer batizar seus filhos. Ela é cristã, e quer seguir o caminho cristão. Então um casal da igreja assumiu o papel de padrinhos. Agora tem três ou quatro casais da igreja que todo domingo tentam se encontrar com ela.

Então, onde está a “alegria” daquela igreja? São noruegueses mal-humorados! Mas existe muita alegria. Há vida abundante ali, mas não abundante da maneira que um não cristão pensaria. Acho que tem muito mais coisa acontecendo em igrejas assim; elas são simplesmente tão contra-cultura. Elas são cheias de alegria, fidelidade, obediência e cuidado. Mas você certamente não ficaria sabendo disso lendo livros sobre crescimento de igrejas, não é?

Mas muitos cristãos olhariam para essa igreja e diriam que ela está morta, uma mera expressão institucional da fé. Que outra igreja existe além da institucional? Não existe ninguém que não tenha problemas com a igreja, porque existe pecado na igreja. Mas não existe nenhum outro lugar para ser cristão a não ser na igreja. Existe pecado no banco, existe pecado no armazém. Eu realmente não entendo essa critica ingênua à instituição. Não entendo. Frederick von Hugel disse que a instituição da igreja é como a casca da árvore. Não existe vida na casca. É madeira morta. Mas ela protege a vida da árvore. E a árvore cresce, e cresce, e cresce. Se você tirar a casca, ela fica exposta à doença, à desidratação, à morte. Então, sim, a igreja é morta, mas ela protege algo que está vivo. E quando você tem uma igreja sem casca, ela logo morre. Ela desaparece, adoece, e fica exposta a todos os tipos de doença, heresia e narcisismo. Nos meus escritos, eu espero recuperar um senso da realidade da congregação, o que ela realmente é. Ela é um dom do Espírito Santo. Por que nós estamos sempre idealizando o que o Espírito Santo não idealiza? Não existe nenhuma idealização da igreja na Bíblia, nenhuma. Agora nós já temos dois mil anos de história. Por que somos tão estúpidos?

Desde a Reforma, no entanto, temos cultivado a idéia de que a igreja pode ser reformada. Não aconteceu. Eu sou sempre a favor da reforma, mas achar que podemos ter uma igreja reformada é tolice. Acho que o pecado constante dos pastores, talvez especialmente dos pastores evangélicos, é a impaciência. Nós temos um objetivo. Nós temos uma missão. Nós vamos salvar o mundo. Nós vamos evangelizar todo mundo, e nós vamos fazer esse monte de coisas boas e encher nossas igrejas. Isso é maravilhoso. Todos os objetivos estão certos. Mas isso é um trabalho muito lento, essas coisas que envolvem a alma, isso de levar as pessoas a uma vida de obediência, amor e alegria diante de Deus. E nós nos impacientamos e começamos a usar todos os atalhos disponíveis. Nós falamos de benefícios. Manipulamos as pessoas. Nós as intimidamos. Nós usamos uma imagem incrivelmente impessoal, uma linguagem intimidadora, manipuladora.


Não é comum pensar na igreja como intimidadora.

Sempre que a culpa é usada como uma ferramenta para convencer alguém a fazer alguma coisa, seja uma coisa boa, ruim ou indiferente, isso é intimidar. E existe a linguagem manipuladora – convencer as pessoas a participarem de programas, envolvê-las, geralmente prometendo alguma coisa em troca.

Eu tenho um amigo que é expert nesse tipo de coisas. Ele sempre diz: “Você tem que identificar as necessidades das pessoas. Aí você desenvolve um programa para ir ao encontro dessas necessidades”. É muito fácil manipular as pessoas. Nós estamos tão acostumados a sermos manipulados pela indústria da imagem, da publicidade, pelos políticos, que dificilmente temos consciência de que estamos sendo manipulados.

Essa impaciência, que nos faz abandonar os métodos de Jesus para cumprir a obra de Jesus, é o que destrói a espiritualidade, porque estamos usando uma maneira não bíblica, que não é de Jesus, para fazer o que Jesus fez. É por isso que espiritualidade está essa bagunça que é hoje. Mas muitos pastores vêem as pessoas sofrendo com casamentos ruins, com drogas, vícios, ganância. Então tentam, corretamente, ajudá-los agora, usando qualquer método que funcione. Sim, só que às vezes o tiro sai pela culatra quando você é impaciente. De que maneira nós vamos ao encontro da necessidade? Nós fazemos como Jesus faria, ou como o Wal-Mart faria?

A espiritualidade não é uma questão de fins, de benefícios, de coisas; é uma questão de meios. É como você faz isso. Como você efetivamente vive? Então, como ajudar todas essas pessoas? As necessidades são imensas. Bem, você faz como Jesus faria. Você faz uma coisa de cada vez. Não dá para fazer a obra do evangelho, do reino, de uma maneira impessoal. Nós vivemos na Trindade. Tudo o que fazemos precisa estar no contexto da Trindade, o que significa que precisa ser feito pessoalmente, relacionalmente. No momento em que você começa a fazer as coisas impessoalmente, funcionalmente, para as massas, você nega o evangelho. Sim, nós fazemos isso o tempo todo.

Jesus é a Verdade e a Vida, mas primeiro ele é o Caminho. Não podemos fazer a obra de Jesus seguindo o caminho do Diabo. Eu sou experiente nessas coisas porque existem muitos pastores sendo castrados por essas metodologias, que são impessoais. Não existe relacionamento nelas. Então eles se guiam pelo desempenho, e se tornam bem sucedidos. Isso é muito fácil na nossa cultura, principalmente se você for alto e tiver um sorriso bonito. E eles perdem suas almas. Depois de 20 anos, não sobra nada. Ou eles desmontam. Eles tentam fazer esse monte de coisas, e não funciona, e eles desistem, ou começam a fazer outra coisa. Provavelmente 20 por cento dos casos extra-conjugais envolvendo pastores não são provocados pela luxúria, mas sim pelo tédio, por não ter esse tipo romântico de vida que eles achavam que teriam.


E se nós abordarmos a questão não em termos de necessidade, mas de relevância? Muitos cristãos esperam falar à geração X ou Y, ou aos pós-modernos, ou algum sub-grupo, como os cowboys ou os motoqueiros, pessoas para quem a igreja típica parece irrelevante.

Quando você começa a moldar o evangelho à cultura, seja uma cultura jovem, uma cultura de uma geração específica, ou qualquer tipo de cultura, você tirou a essência do evangelho. O evangelho de Jesus Cristo não é o reino deste mundo. É um reino diferente.

O meu filho Eric começou uma igreja nova há seis anos. Os presbiterianos têm uma espécie de acampamento para treinar pastores de igrejas novas, onde você aprende o que você deve fazer. Então o Eric foi. Um dos professores do treinamento falou que ele não deveria usar talar: “Você vai lá e encontra as pessoas dessa geração onde eles estão”.

Então Eric, sendo um bom aluno e querendo agradar seus colegas, não usou talar. A sua igreja começou a se reunir no auditório de um colégio. No começo ele usava terno todos os domingos. Mas quando veio o primeiro domingo de Advento, com Santa Ceia, ele me disse: “Pai, eu simplesmente não agüentei. Então eu pus um talar”.

Os vizinhos dele, Joel e sua esposa, foram à igreja. Joel era o estereótipo da pessoa para quem o modelo de desenvolvimento de igrejas novas era feito – suburbano, gerente, nunca foi à igreja, totalmente secular. Eric imaginou que Joel estava vindo porque eles eram vizinhos, ou porque ele o achava simpático. Depois daquele culto de Advento, ele perguntou o que o Joel achou do fato dele usar um talar.

Ele respondeu: “Me fez pensar. A minha esposa e eu falamos sobre isso. Acho que o que nós estamos procurando é um espaço sagrado. Nós dois achamos que encontramos”.

Eu acho que relevância é uma besteira. Eu não acho que as pessoas se importem muito com que tipo de música você toca, ou qual é a ordem de culto. Elas querem um lugar onde Deus seja levado a sério, onde elas sejam levadas a sério, onde não exista manipulação de suas emoções ou de suas necessidades consumistas.

Por que nós viramos vítimas dessa mentalidade de propaganda, de publicidade? Acho que ela está destruindo a igreja.


Mas outra pessoa pode entrar na igreja de Eric, ver ele usando um talar, e sair, achando que o ambiente era religioso demais, muito igrejeiro.

Então por que elas foram, se não era para ser religioso? Por que foram a uma igreja?


É claro que existe um outro lado da questão. Se você vai a uma igreja em que todo mundo está interpretando um papel de religioso, isso vai afastar as pessoas. Mas esse tipo de mentalidade performática, de pessoas interpretando papéis, também pode ser vista na igreja cowboy ou qualquer coisa assim – ali também, todo mundo está interpretando um papel. Mas nós estamos envolvidos com uma coisa que carrega uma grande dose de mistério. Vamos tirar todo o mistério, para ficar no controle? Será que a reverência não está na essência do culto a Deus? E se nós apresentamos uma forma de fé absolutamente sem mistério, sem reverência, como é que as pessoas vão saber que existe algo além de suas próprias emoções, suas próprias necessidades? E existe uma coisa acontecendo que é muito maior que minhas necessidades. Mas como é que eu vou saber disso, se o culto e o programa são completamente centrados nas minhas necessidades?


Algumas pessoas argumentariam que é importante ter um culto em que as pessoas se sintam à vontade para ouvir o evangelho.

Eu acho que elas estão erradas. Pegue essa história que eu contei sobre a família sentada na nossa frente no domingo. Ninguém estava confortável. A igreja toda estava sofrendo. E, mesmo assim, eles podem ter experimentado mais evangelho em ir até a mãe a abraçá-la, porque ela estava morrendo de vergonha.


Como podemos saber quando passamos do ponto em que adaptamos o ministério à cultura, para o ponto em que sacrificamos o evangelho?

Acho que um teste é este: Eu estou trabalhando a partir da história de Jesus, dos métodos de Jesus, da maneira de Jesus? Eu estou sacrificando os relacionamentos, a atenção pessoal, o relacionamento pessoal por um atalho? É só um programa para que as coisas sejam feitas? Não dá para fazer a obra de Jesus de uma maneira que não seja a de Jesus, e ficar por isso mesmo. Embora possa ser um grande “sucesso”. Uma coisa que eu considero uma característica minha é que eu fico no nível local. Eu estou enraizado numa vida pastoral, que é uma vida normal. Então, enquanto todo esse brilho e imagem de espiritualidade está por aí, eu me sinto bastante indiferente a tudo isso, para dizer a verdade. E eu tenho minhas suspeitas, porque parece ser um movimento sem raízes, não enraizado nas condições locais, que são as únicas condições em que você pode viver uma vida cristã.

Copyright © 2005 Christianity Today. Março de 2005, Vol. 49, Nº 3, Página 42

segunda-feira, setembro 17, 2007

A FUNÇÃO VITAL DO SILÊNCIO NO LABOR PASTORAL



A FUNÇÃO VITAL DO SILÊNCIO NO LABOR PASTORAL

Psic. Roseli M. Kühnrich de Oliveira 1

Li um texto muito interessante, de um professor de microbiologia zootécnica da USP2, que enfatiza o silêncio intelectual como condição vital para fazer ciência, e que me inspirou. Este pesquisador destaca como o silêncio tem sido a base de grandes conquistas científicas ao longo de séculos, e cita nomes de cientistas que detestavam a vida mundana e a agitação, preferindo a solidão de seus laboratórios. É de fato, um pouco estranho falar sobre o silêncio no mundo de hoje, tão saturado de sons e palavras. Muitos já acordam ao som de um despertador ou rádio-relógio, ao tomar café ficam sabendo pela televisão das notícias recentes, ou lêem no jornal as últimas calamidades. Poucos resistem a ligar o rádio ou CD do carro, até por que, se for possível manter as janelas fechadas, para não ouvir a buzinas, motores e barulho da cidade, melhor. Somos uma sociedade que consome informação de toda espécie, auditivas e visuais. “Out doors” expõem corpos perfeitos, retocados no computador, além de pizzas, carros e eletrodomésticos cada vez mais caros e descartáveis, gerando sonhos de consumo e ondas de descontentamento para quem está fora do jogo.Resistimos ao silêncio, o celular veio para ficar! Já não reclamamos do volume das músicas e da TV e aos poucos, vamos elevando o tom da voz, dentro de casa. Algumas igrejas, outrora refúgios de paz e silêncio, retiram seus bancos para fazer seu “louvor aeróbico”, com um “som” numa altura que interfere no batimento cardíaco... sou mãe de adolescentes e sei o que estou falando! Mas, por favor, não me interpretem mal! Gosto de música, artes, de uma boa conversa com os amigos e amigas. Gosto de ler Adélia Prado e Fernando Pessoa, por que afinal, navegar é preciso... embora cada vez mais na Internet. Ver documentários, musicais, um filme “cult” no DVD, ok, a tecnologia está aí para isso mesmo.Pessoas quietas, num canto, nos causam espanto e incômodo por serem diferentes, “partilhar e compartilhar” virou moda, como se nossos sentimentos e emoções devessem ser expostos, dissecados e observados por todos. Intimidades da realeza ou de miseráveis são discutidas em público, e programas de TV invasivos (tipo big brother) são o supra sumo da privacidade vendida e concedida em troca de algum dinheiro e quinze minutos de fama.Mas, e o silêncio, o que tem à ver com isso? Neurologistas advertem que os níveis elevados de estresse impedem os neurônios de se recuperarem, o que significa dizer que pessoas estressadas tem perda de memória e dificuldade de concentração, entre muitos outros males. O Dr. Carlos Hernandez, psiquiatra argentino que foi por muitos anos diretor do Hospital Psiquiátrico de Possadas, declara que precisamos “purgar os sentidos” que são continuamente estimulados. Diz ele: “existe uma poluição de estímulos que causam danos ao poder discriminativo das terminações nervosas, uma gama de ‘exposição tóxica que cauteriza’ os órgãos sensoriais” 3 . Segundo este autor, certas condutas, como jejum, oração do amanhecer, silêncio, solidão, quietude, escuta da natureza e consciência dos ritmos e posturas corporais criam possibilidades de reorganização neurológica ou seja, disciplinas de espiritualidade podem colaborar para a saúde mental!Entendo que é difícil para pessoas que tem a escuta como atribuição maior em seu labor, calar frente à tantos estímulos. Até que ponto podemos suportar o silêncio como benção e não como ameaça? Quando a pessoa à nossa frente se cala em tranqüila reflexão, é um momento sagrado: nada deve perturbá-lo. Ao psicólogo/a, ou ao pastor/a4 é dado o privilégio de estar presente: em quietude e sem agitação. Quero, entretanto, distinguir o “silêncio-benção” do silêncio repressivo ou rancoroso, não é disto que estamos falando hoje.O “silêncio-benção” tem ligação com o aquietar-se. Crescemos escutando comando como “não fique ao parado, mexa-se, faça alguma coisa”. No entanto, a produção científica ou espiritual acontece no tempo do ócio5, e do silêncio ou seja, muitas descobertas e insights aconteceram e acontecem durante uma caminhada, um descanso embaixo de uma árvore, até vendo uma fruta cair. É preciso salientar também, que ócio não é lazer. Ter um lazer é muito bom, mas é diferente, pois o objetivo do lazer é distrair. Além disto, muito do lazer, hoje em dia, assemelha-se ao nosso trabalho: consumimos emoções que produzem adrenalina! Vivemos num mundo onde “tempo é dinheiro” e sugerir “parar para pensar” não soa bem. Não é raro encontrarmos pessoas não conseguiram relaxar nas férias ou que detestam o domingo, por não terem o que fazer! Já para os cristãos em geral, o domingo pouco lembra um dia de descanso: corre-se de um programa para o outro, intercalando eventos... Todos sabemos que estas atividades visam o crescimento da Igreja e não é meu objetivo polemizar mas propor o descanso, o “Shabatt”, como algo sagrado, possível de se vivenciar. Ou seja, se o seu Shabatt, não é viável no domingo, faça noutro dia qualquer, mas faça! Enfim, separar tempo para o descanso, o silêncio, lectio divina e oração, mais que sugestão, é um preceito divino6. Além disto, os momentos de “repensar a vida”, o trabalho, caminhar sob as árvores e ouvir os pássaros, apreciar uma mostra de arte, ir a um concerto, podem ser excelentes antídotos para o estresse. Uma das estudiosa do estresse, Ana Maria Rossi 7, declara que algumas conseqüencias do estresse no organismo são: dores musculares, enxaqueca, insônia, problemas gastro-intestinais, aumento da ansiedade, angústia, irritação, falta de concentração, preocupação e uso abusivo de drogas e álcool. A quietude até pode ser um bálsamo, mas onde encontrá-la? O silêncio implica em buscar um tempo e um lugar de quietude e solidão, ou somando as duas palavras, de “solitude”. O que desejo salientar é a necessidade do silêncio para quem tem por vocação “apascentar”, cuidar de outras pessoas.A máxima da ordem beneditina “Ora et Labora” tem muito a nos ensinar neste sentido, até porque os centros de estudo teológico atuais, em nada se parecem com os antigos mosteiros, descritos como lugares de silêncio, meditação, oração e trabalho. Os mosteiros beneditinos preconizam ainda hoje, o ócio como recurso espiritual que se intercala com as outras atividades. Ou seja, não é ficar sem fazer nada, mas é intercalar períodos de descanso entre períodos de trabalho.O sacerdÓCIO é exercer o ministério, à partir do sagrado e não somente das atividades, é o tempo do descanso na presença de Deus como aquele que busca um amigo com quem se gosta muito de estar. É um enamoramento, é muitas vezes apenas estar junto, em silêncio. Outras vezes, é falar, é rir, é cantar. Estes momentos de intimidade com Deus não se expõem, ou comentam, é como o pudor daqueles que se amam de verdade, certas coisas pertencem só aos dois. Este é o culto do coração. Mas é claro, existe o culto que acontece na comunhão das irmãs e dos irmãos que se reúnem para louvar ao Senhor e ouvir sua Palavra, ministrada pelo sacerdote, pastor, pastora ou algum dos irmãos. Porém, aparentemente, esquecemos o culto do coração. Preparamos pessoas para o pastorado que sabem muito de Bíblia, e pouco de Deus o que na concepção dos cristãos ortodoxos, significa “deixar descer a Palavra ao coração”. Henri Nouwen8 escreve que a reflexão teológica inclui as realidades cotidianas, destacando que “seminários e escolas de teologia precisam levar os estudantes à comunhão sempre crescente com Deus, à comunhão mútua e à comunhão com os semelhantes” e que estes centros de treinamento precisam envolver a pessoa como um todo, corpo, mente e coração. E continua: “se há uma crise na educação teológica, ela é, antes de mais nada, uma crise da palavra”. Sem desconsiderar a crítica intelectual e o debate, necessários, Nouwen relembra o fato de que embora os mosteiros já não sejam, nos dias atuais, os lugares mais comuns para a educação teológica, o silêncio continua indispensável... Pesquisando rapidamente currículos de escolas de teologia à procura de disciplinas que tratem da oração, “lectio divina”, silêncio ou meditação, o resultado surpreendente é de que há pouca preocupação com a espiritualidade daqueles que serão os pastores do rebanho. O preparo teológico resume-se ao preparo intelectual de uma função que é essencialmente pastoral. Ser “pastor” significa cumprir as quatro funções pastorais constantes no Antigo Testamento: que é ser guia (caminhar na frente das ovelhas), prover o sustento (alimentação: pastagens e água), defender e guardar (salvação, libertação), e estar ligado afetivamente ao rebanho (aliança)9. Há, portanto, tempo de trabalho e de descanso para os cuidadores de ovelhas. Mas o que vemos freqüentemente, são pastores e religiosos esgotados, atendendo inúmeros pedidos e demandas, a ponto de adoecer ou desistir. O ativismo religioso é uma das causas do desgaste de religiosos, pois sem dúvida, a igreja é o melhor lugar para esconder-se de si mesmo sob uma aparência de espiritualidade. Estão tão ocupados com a obra do Senhor que não tem tempo para o Senhor da obra... O encontro com Deus, o descanso (Shabatt), em Sua presença, a prática da leitura orante da Palavra propiciam o aquietar do coração, e a própria reorganização interna (funcionando como uma decantação). Muitas pessoas dizem não ter tempo, mas o dia tem 24 horas para todos e já dizia Geraldo Vandré que quem sabe, faz a hora, não espera acontecer...O silêncio pode ser uma benção para ouvidos, olhos, corpos e mentes cansadas, além disto, um pouco de solitude ajuda a rever conceitos, repensar decisões, planejar a vida. Estes princípios podem ser colocados em prática por todos os cuidadores, não somente os pastorais. Requer coragem, e ousadia, sem dúvida, para quebrar os paradigmas existentes. Mas não é esta a proposta do cristianismo?


1 Psicóloga clínica com especialização em terapia familiar, mestre em teologia, professora de seminários teológicos e da Pós-Graduação Latu-senso da EST de São Leopoldo, palestrante, docente na atualização teológica/pessoal de pastores/as, e obreiros/as. Vice-presidente –sul do CPPC, Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos e membro de EIRENE.
2 Rogério LACAZ-RUIZ. O silêncio intelectual como condição para fazer ciência, p 1-8, disponível na Internet: http://www.usp.br/fzea/zab/sol%EAncio.htm.
3 Carlos HERNANDEZ. Uma viagem ao coração de si mesmo. p. 14.
4 Refiro-me neste texto a pastores e pastoras, sem distinção,o uso do termo pastor visa facilitar a leitura.
5 Domenico di Massa tem defendido a idéia do “ócio criativo”.
6 Paul STEVENS. Disciplinas para um coração faminto.
7Ana Maria ROSSI. Aprender a lidar com o estresse é uma lição diária. Carreira e Sucesso, n.231. Disponível na Internet em http://www.catho.com.br/jcs/inputer_view.phtml?id=6690&print=1 A dra. Rossi salienta que alimentação saudável, exercícios físicos regulares, relaxar, meditar e respirar corretamente estão entre as práticas que vem sendo indicadas como recursos terapêuticos no combate ao estresse.
8 Henri NOUWEN. O perfil do líder cristão no século XXI.
9 Elena BOSETTI e Salvatore PANIMOLLE. Deus-pastor na Bíblia.

domingo, setembro 16, 2007

Estamos vivendo um momento medíocre?


Li e gostei...
É uma vida miojo, que não tem processo, não tem avanço e não tem muito sabor, mas é prática.”Medíocre não é idiota, medíocre não é imbecil, medíocre do ponto devista filosófico é aquele que está na média, aquele que fica no meio. Aliás, a origem da palavra é exatamente essa. A mediocridade é aquele que não é quente nem frio.Tem um livro da Bíblia cristã chamado Apocalipse, em que a Divindade diz: “Porque não és quente nem frio, porque tu és morno, hei de vomitar-te”. O Brasil vive em várias áreas,não são todas, uma certa síndrome de mediocridade.Isso é uma lógica da aceitação do possível, esquecendo que o possível é exatamente um acostumar-se, ou repousar na mediocridade. A mediocridade é uma satisfação com as coisas tais quais elas estão. Do ponto de vista econômico, nós estamos conformados a um modelo financeiro.Você tem religiões, nos últimos tempos, que caminharam na direção de romper com a mediocridade, isto é, com a conformidade, com o apaziguamento forçado, com a paz do cemitério, ou até com a letargia, e que caminhavam no trabalho social, no envolvimento com as pessoas,fazendo aquilo que Leonardo Boff, de uma maneira brilhante, sintetiza dizendo que a gente precisa juntar o pai nosso com o pão nosso.No evangelho de João, no capítulo X, versículo 10, Jesus disse uma frase que é a ruptura da mediocridade, “Quero que tenhais vida e vida emabundância”. A vida em abundância é a ruptura da mediocridade da vida, não é mini-vida, sub-vida, nano-vida, menos vida, é vida abundante; e a vida abundante é aquela que ela carrega uma sexualidade saudável, uma religiosidade livre, uma amorosidade sincera, uma solidariedade contínua, uma fraternidade honesta. É aquela que carrega a sensibilidade de existir.Há religiões que caminham na direção de vida em abundância pra todos e todas. Pessoas fazem trabalho nessa direção, mas há outras práticas religiosas, seja dentro do cristianismo, nas suas múltiplas formas, seja ele o católico, o reformado, o neopentecostal, que fazem um trabalho de alienação, que fazem um trabalho que a gente chama às vezes de teologia da prosperidade, isto é do recurso imediato, ganhar de Deus os favores necessários nessa questão.E, portanto, essa teologia da prosperidade, ela implica em se negociar com a divindade, e eu ofereço agora ao pastor, ou à pastora aquilo que ele pede, que é bem material, dinheiro e aí Deus em troca me dá vida boa, isso é medíocre, é uma religiosidade negociada.A mediocridade é apenas o gotejar da vida no dia-a-dia, com pequenas demonstrações, às vezes, de vitalidade. E isso atinge muita gente, porque falta utopia. Falta a noção de um futuro a ser construído e que seja melhor, afinal de contas têm feito algo cruel com as gerações que vêm, que é se fazer um saque antecipado do futuro, estamos tirando o futuro, dizendo aos jovens: não haverá meio ambiente, não haverá trabalho, não haverá segurança.E estamos dizendo a eles: você não tem passado, eu tive história, eu tive infância; e estamos dizendo a ele: você não tem presente, isso que você come não é comida, é porcaria, isso que você ouve não é música, é barulho.Está se dizendo às novas gerações que elas não têm história, e quem não tem história a ele só resta uma possibilidade, viver o presente até o esgotamento. Por isso, essa vida ansiada e essa sofreguidão pra existir, cada balada é como se fosse a última, cada viagem é como se fosse a última.Ou seja, perde-se anoção de processo e de história, e a ausência dessa visão de história leva a querer existir aqui e agora, de maneira instantânea. É uma vida miojo, que não tem processo, não tem avanço e não tem muito sabor também, mas é prático.O Papa atual é uma pessoa conservadora. Em vários momentos manifestou posturas que são reacionárias, isto é voltar a elementos do século 18 ou19. Ele jamais pode ser colocado como uma pessoa medíocre. Ele defende as idéias que carrega, ele anota, escreve, discute, posiciona.Posso dizer, não gosto de muitas das coisas que ele pensa, eu, Cortella, como de fato não o faço, não concordo, mas tenho de reconhecer nele uma mente teológica que não beira nem de longe a mediocridade. Posso dizer que beira a incompreensão, beira, às vezes, o sectarismo, em algumas situações, beira o conservadorismo, mas a mediocridade jamais.Sefosse um Papa medíocre, ficaria mais fácil inclusive enfrentá-lo naquilo que não se concorda com as idéias que ele levanta. Sou uma pessoa extremamente religiosa na minha trajetória. Se você me pergunta se freqüento cultos, não freqüento; se sou religioso, profundamente religioso".

Mário Sérgio Cortella, filósofo e educador.