A COMUNIDADE DOS IRMÃOS
Uma coisa que num instante impressiona o leitor do Novo Testamento é a natureza comunal da fé cristã. Os pronomes sociais — nós, eles, nos, lhes, os — encontram-se por toda parte. O ideal de Deus é um companheirismo de fé, uma comunidade cristã. Ele nunca teve a intenção de que a salvação fosse recebida e fruída pelo indivíduo, isolado da companhia maior dos crentes.
Ë verdade que para cada um tem de haver um encontro pessoal com Deus, e muitas vezes esse encontro tem lugar na solidão e no silêncio do retiro. Nesse momento sagrado, tem de haver somente Deus e a alma individual. A misteriosa operação de Deus na graça regeneradora em Sua obra posterior ministrando a unção do Espírito, são transações tão altamente pessoais que nem a terça parte dos beneficiados pode saber ou compreender o que se passa.
Há outras experiências profundas e totalmente internas que não podem ser partilhadas com nenhum outro: Jacó em Betel e Peníel, Moisés junto à sarça ardente, Cristo no jardim, João na ilha de Patmos, são exemplos bíblicos, e as biografias cristãs revelam muitos mais. Uma comunidade de crentes compõe-se necessariamente de pessoas, cada uma das quais teve um encontro com Deus, numa experiência individual. Não importa quão numerosa a família, cada filho tem de nascer individualmente. Mesmo os gêmeos e trigêmeos nascem um por vez. Assim na igreja local. Cada membro tem de nascer individualmente do Espírito.
Não escapará ao leitor dotado de discernimento que, embora cada filho nasça separado do restante, nasce numa família, e que, depois do nascimento, deve viver em comunhão com os restantes da casa. E o homem que vem a Cristo na solidão do arrependimento e da fé pessoais, nasce também no seio de uma família. A igreja é chamada casa de Deus, e é o lugar ideal para a criação de jovens cristãos. Justamente como uma criança não crescerá e não será um adulto normal se for forçada a viver sozinha, assim o cristão que se retira da comunhão doutros cristãos, sofrerá como resultado grande prejuízo espiritual. Nunca tal pessoa terá esperança de desenvolver-se normalmente. Exigirá muito de si e não o bastante de outrem; e isto não é bom.
Deus nos criou de tal forma que temos necessidade uns dos outros. Podemos e devemos ir para o nosso quarto e orar a nosso Pai celeste em secreto, mas, terminada a oração, devemos voltar ao nosso povo. Ë o que nos cabe.
Viver dentro da família não significa que temos que aprovar tudo que se faz ali. Os profetas de Israel muitas vezes foram compelidos a repreender e admoestar o seu povo, mas nunca saíram do seio do judaísmo. Mesmo Cristo todo sábado ia adorar com os demais. Os reformadores e os avivalistas dos tempos pós-bíblicos, invariavelmente viviam unidos a seu povo. Os mais solitários e mais austeros deles tinham o seu grupo de almas afins em que achavam o auxílio e o consolo que os seus doridos corações necessitavam. Seu exemplo não tem a autoridade da verdade revelada, mas nos dá uma norma que faremos bem em seguir.
Ninguém é bastante sábio para poder viver sozinho, nem bastante bom, nem forte. Deus nos fez em grande medida -dependentes uns dos outros. Dos nossos irmãos podemos aprender a fazer coisas, e às vezes também podemos aprender a não fazê-las. O melhor cantor deve ter um instrutor, se quiser evitar que seus defeitos fiquem crônicos. O prega¬dor que só se ouve a si próprio pregar, logo aceitará até as suas piores idiossincrasias como sinais indicadores de excelência. Necessitamos ouvir outros para podermos ver o que corrigir em nós. Isso também é verdade quanto às coisas morais e espirituais dentro do círculo da família. Um cristão fraco e faltoso pode, sem o saber, fazer-nos evitar o seu modo de vida, e todo santo de vida pura e frutuosa do círculo da nossa comunidade é um aguilhão que nos espicaça tocando-nos adiante para uma vida mais perfeita.
Depois de Deus, precisamos uns dos outros. Somos ovelhas e é da nossa natureza viver com o rebanho. E ainda podemos lembrar muito bem que, se por um momento perdemos de vista o Pastor divino, só temos de ir aonde está o Seu rebanho para encontrá-lo de novo, O Pastor sempre está com o Seu rebanho.
A. W. TOZER