sábado, março 14, 2009

Sobre orar e orar bem - Parte II

"De uma feita, estava Jesus orando em certo lugar; quando terminou, um dos seus discípulos lhe pediu: Senhor, ensina-nos a orar como também João ensinou aos seus discípulos. Então, ele os ensinou: Quando orardes, dizei:
Pai,
santificado seja o teu nome;
venha o teu reino;
o pão nosso cotidiano dá-nos de dia em dia;
4perdoa-nos os nossos pecados, pois também nós perdoamos a todo o que nos deve;
e não nos deixes cair em tentação. (Lucas 11.1-4)


A oração não é uma invenção cristã. A oração é uma prática universal e “multireligiosa”. Os religiosos oram. O conteúdo e o propósito da oração são tão multiformes como as religiões e os orantes. A oração como prática natural, fruto dessa nossa necessidade humana de tocar o transcendente, é comum a todos e a ninguém exclui. Até mesmo ateus oram de alguma forma, ainda que o façam para si mesmos.

Não obstante a oração seja uma experiência universal, há dois elementos que só existem na fé cristã:

1) os cristãos oram ao próprio Jesus

2) os cristãos oferecem suas orações em nome de Jesus.

Orar no Seu nome é reproduzir o seu caráter em nós mesmos, permitindo que as nossas vidas sejam moldadas por ele.

Jesus deixou aos seus discípulos uma experiência de relacionamento dinâmica e profunda com o Pai. Jesus ensinou que o Seu Pai era também o Pai dos discípulos. E isso deu à fé dos cristãos um ingrediente completamente inaudito no que concerne à oração.

Podemos tentar imaginar como Jesus transmitiu isso aos seus discípulos. Enquanto judeus piedosos, estes homens antes de se tornarem discípulos de Jesus iam à sinagoga todos os dias ao amanhecer, às 15 horas e novamente ao pôr-do-sol, ouvindo e adorando por meio de orações cerimoniais.

Eles sabiam que João Batista havia ensinado uma oração aos seus discípulos. A oração de João Batista era uma marca caraterística que os identificava como seus discípulos. Os discípulos de Jesus pedem, assim, uma oração que também os identifique como discípulos de Jesus. Então, eles pedem a Jesus que os ensine uma oração.

Eles tinham consciência que a oração os identificaria com Jesus. Orar como Jesus era a certeza de ser identificado como discípulos de Jesus. Pedem-no para que lhes ensinasse a orar... E Jesus lhe ensina a orar dizendo...."Pai Nosso...."

A Igreja nos primeiros séculos levou muito a sério a oração que Jesus ensinou. Tão a sério, que essa oração só era ensinada aos candidatos ao Batismo e não era revelada ao mundo exterior. Fazer a oração de Jesus era o sinal do novo compromisso com a fé cristã e com a comunidade cristã.

A ação da igreja nos primeiros séculos não era sectária, mas a igreja tinha consciência que a oração era (e é) muito mais que um amontoado de palavras. Não há oração verdadeira sem comunhão real com Deus.

Comunhão tem a ver com “amizade”

A verdadeira amizade é algo raro. Já existe toda uma indústria que vende amizade para solitários e aos aflitos, sob a forma de terapia. Muitos terapeutas são conhecidos como “amigos profissionais”. Pode ser que, dentro de algum tempo, surjam mestrados em amizade, doutorados em companheirismo. A tônica do mercado em promover relacionamentos é sinal claro de que vivemos numa crise existencial global. O ser humano sozinho fica perdido.

Mesmo nas amizades humanas é um alívio pode ficar à vontade e compartilhar coisas simples e singelas que nos fazem sentir bem um com o outro. A verdadeira amizade não deseja atrair toda a atenção para si nem busca títulos, prêmios e reconhecimento.

Nossa primeira experiência com a amizade de Jesus pode ser ao mesmo tempo dolorosa e jubilosa, pois estaremos nos vendo sob uma luz verdadeira, talvez pela primeira vez na vida.

Um amigo verdadeiro nunca pode ter motivações ocultas. Não pode ter segundas intenções. Um amigo é tão somente um amigo, simplesmente pelo prazer da amizade. Bernardo de Clairvaux escreveu que nos temos a tendência de amar por causa de nós mesmos. Quando começamos a aprender a amar a Deus, nós o amamos por causa de nós mesmos. À medida que vai aumentando nossa amizade com Deus, passamos a amá-Lo não apenas por causa de nós mesmos, mas também por causa dEle. Um dia talvez cheguemos ao ponto de amar a nós mesmos por causa de Deus....

(por enquanto é só... mas vamos continuar esta conversa)

Rev. Ézio Martins Lima

quinta-feira, março 12, 2009

Sobre o orar e orar bem - Parte I


A partir de hoje vou postar alguns textos sobre oração e algumas idéias soltas sobre o assunto. Se existe uma tal escola de oração, estou certo de que a cada dia me encontro mais envergonhado pela minha condição de "orador". Teve um tempo que eu pensei que sabia orar. Estava convencido que orava bem e que compreendia os mistérios da oração. A minha idéia pueril sobre oração já começava com um equívo, bem comum entre os cristãos, de conceber que uma boa oração precisa de boa uma impostação. Talvez porque quando criança ficasse impressionado com o fato dos adultos sempre mudarem a voz quando começavam a orar. Isso me levou a crer que uma boa oração precisava começar com a mudança do tom da voz. Hoje fico rindo de mim por tamanha inocência. Mas eu tive que arrebentar alguns odres velhos na minha vida para não continuar repetindo este comportamento. Hoje até me irrito quando vejo tal comportamento em outras pessoas.Minha sensação é de pura hipocrisia e dissimulação. Sei que não devo ter este sentimento, porque não estou autorizado a fazer este tipo de julgamento. Mas devo confessar que "oradores", pastores e cantores que mudam a voz quando oram, pregam ou cantam (ou "ministram"), me provocam alguns arrepios (e estes arrepios não sao nada espirituais, é repulsa mesmo!). Acho que confessando meu pecado aqui no blog vou aliviar um pouco este peso... Afinal, o conselho bíblico de confessar os pecados uns outros para sermos curados ainda está valendo! Quem bom!
Li uma entrevista do Nouwen publicada na Christianity Today International na qual ele disse:
"Para muitos cristãos, oração é ter pensamentos espirituais. Isso não é oração. Oração é achegar-se à presença de Deus com tudo o que você é. Você pode dizer: “Senhor, eu odeio esta pessoa. Não consigo suportá-la”. A vida de oração de muitas pessoas é seletiva. Geralmente só colocam diante de Deus o que querem que Ele saiba e o que pensam que Ele suporta ouvir. Deus é Deus, Ele agüenta ouvir tudo". E continuou: " "Transforme seus pensamentos em oração. Como nos envolvemos com o pensar incessante, então somos chamados à oração incessante. A diferença não é que a oração é pensar sobre outras coisas, mas que a oração é o pensar em diálogo. É um movimento de um monólogo centrado em mim mesmo, para uma conversa com Deus".
Orar e orar bem começa com algo bem simples: com a gente deixando nossa capa religiosa do lado, e abrindo o coração para Deus....
É isso.. (pelo menos por enquanto.... pelo menos pra começar!)

Rev. Ézio Martins de Lima

III Cogresso de Oração e Espiritualidade

quarta-feira, março 11, 2009

Como não ter Deus?

"Como não ter Deus?! Com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre é possível, o mundo se resolve. Mas, se não tem Deus, há-de a gente perdidos no vai-vem, e a vida é burra. É o aberto perigo das grandes e pequenas horas, não se podendo facilitar, é todos contra os acasos. Tendo Deus, é menos grave se descuidar um pouquinho, pois no fim dá certo".
Guimarães Rosa

terça-feira, março 10, 2009

Comunhão e excomunhão

Cony sempre me surpreende com a sua inteligência e perspicácia. Pra quem nao sabe, Cony cursou teologia e disse em recente entrevista que se sente frustrado por nao ter sido ordenado Padre, como se algo lhe faltasse. Nao é sacerdote de uma paróquia, mas com sua seriedade e bom-senso tem exercido um sacerdócio de alcance ainda maior.

Ézio


CARLOS HEITOR CONY

Não vejo motivo para tanta e tamanha repercussão para o caso do arcebispo de Olinda e Recife ter usado um artigo do Código Canônico, que rege a Igreja Católica, aplicando a excomunhão para os envolvidos no aborto de uma menina de 9 anos estuprada pelo padrasto.

Excomunhão, como o nome está dizendo, é uma exclusão das graças espirituais da redenção cristã e do acesso aos sacramentos, como o batismo, a confissão, a eucaristia, o matrimônio etc.

Trata-se de uma pena que só atinge os fiéis daquele culto. Não estou seguro das estatísticas, mas acho que quatro quintos da humanidade não professam o catolicismo romano, daí que nada têm a temer do castigo. Para um budista, um judeu, um protestante ou um evangélico das muitas seitas existentes, os muçulmanos, os espíritas e os ateus convictos nada têm a temer da excomunhão de uma comunhão da qual não fazem parte.

Há, contudo, uma imensa legião de católicos censitários, que se declaram como tal quando indagados formalmente, mas que nem sabem o que isso representa. É um catolicismo social, reduzido a missas de sétimo dia, a casamentos na igreja, a batizados festivos e até a festivas primeiras comunhões, dessas que dão direito a vestidos de noiva para as comungantes.

Para esses, a liberdade individual de pensar é um direito do qual não abrem mão. Fazem uma triagem da doutrina católica, aceitando isso, mas negando aquilo. Editam a sua própria religião. O crente oferece sua liberdade de pensar à fé que professa e se obriga a respeitá-la, a viver de acordo com as suas regras. Caso contrário, ele se coloca fora da comunhão dos seus fiéis. Lutero era frade, não aceitou a venda de indulgências e deu o fora, criando a Reforma. Foi excomungado. E daí?

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1003200905.htm ( Jornal “Folha de São Paulo, 10 de Março de 2009)

domingo, março 08, 2009

“Não há diferença...”

“Pois, por meio da fé em Cristo Jesus, todos vocês são filhos de Deus. Porque vocês foram batizados para ficarem unidos com Cristo e assim se revestiram com as qualidades do próprio Cristo. Desse modo não existe diferença entre judeus e não-judeus, entre escravos e pessoas livres, entre homens e mulheres: todos vocês são um só por estarem unidos com Cristo Jesus” (Gálatas 3.26-28)

Neste domingo celebra-se o “Dia Internacional da Mulher”. A celebração desta data, contudo, muitas vezes acaba por reforçar exatamente o que se pretende combater. A mulher é apresentada como um ser que carece de piedade por parte dos homens; por ser frágil, carece de cuidado. Algumas propagandas neste período (especialmente de cosméticos) cometem o disparate de apresentar a mulher como mero objeto a ser adornado para o deleite dos olhos masculinos... Na data que pretende combater o preconceito, reforça-se o preconceito.
O texto de Gálatas, escrito pelo Apóstolo Paulo (tantas vezes erroneamente acusado de machismo), apresenta o resumo do ensino inaudito de Jesus Cristo com relação à mulher: não existe diferença entre homens e mulheres. Obviamente que não se trata aqui das diferenças que são visíveis e inquestionáveis, mas daquelas que se originam da cultura da dominação e do preconceito, e que resultam na humilhação, na coisificação e toda sorte de violência sobre o gênero feminino.
Triste fato é que nem todas as igrejas que se dizem cristãs são fiéis à mensagem de Cristo. Utiliza-se muitas vezes a própria Bíblia para excluir as mulheres dos postos de liderança, como se fossem inferiores, passionais (às são tratadas como não muito inteligentes ou capazes).
Existem mulheres na Bíblia que são uma verdadeira inspiração, se somente falássemos delas sairiam daqui imbuídas de força e vigor.
“não existe diferença (...) entre homens e mulheres: todos vocês são um só por estarem unidos com Cristo Jesus” (Gálatas 3.28).
Em Cristo as diferenças são desfeitas. A mulher deve ser honrada não porque se parece com um bibelô que carece de cuidados especiais, mas porque não há diferenças que justifiquem qualquer tipo de rebaixamento do gênero.
Enquanto igreja que pretende ser fiel à mensagem poderosa de Jesus Cristo, não podemos negligenciar o fundamental, imprescindível e inquestionável valor da mulher em nossa comunidade de fé. Toda sorte violência, quer seja moral, psicoemocional e física, deve ser taxativamente combatida. A luta pelos direitos da mulher não deve ser uma luta apenas das mulheres, mas de todo cristão que aprendeu que “em Cristo não há diferença entre homens e mulheres”.

Rev. Ézio Martins de Lima