É difícil ler a Bíblia sem deparar–se com o assumo da idolatria: ela é, de longe, o tópico mais discutido. Para o leitor moderno, porém, uma pergunta insistente cerca estas passagens: Por que toda esta confusão em torno da idolatria? Qual a grande atração dos ídolos? Por que os hebreus, por exemplo, abandonavam Javé, o Deus que os libertara da escravidão no Egito, e iam atrás de troncos de árvores esculpidos e estátuas de bronze?
Descobri alguns aspectos desta questão ao visitar a Índia, onde a adoração aos ídolos é muito comum. As maiores atrações nas cidades são templos erigidos em honra a algum dos milhares de deuses: deuses macacos, deuses elefantes, deusas eróticas, deusas cobras e até mesmo uma deusa varíola. Lá observei que a idolatria tende a produzir dois resultados contraditórios: magia e trivialidade.
Para os devotos, a idolatria adiciona um toque de magia à vida. Os hindus acreditam que os deuses controlam todos os acontecimentos, incluindo desastres naturais, como monções, terremotos, doenças e acidentes de trânsito. E necessário manter estas forças poderosas satisfeitas a qualquer custo. Mas o que agrada um deus depende de seu caráter, e os deuses hindus podem ser terríveis e violentos. A maior cidade da Índia, Calcutá, adotou a deusa assassina Kali, que geralmente é retratada com uma guirlanda formada de cabeças ensangüentadas em torno da cintura. A devoção a deuses assim pode, facilmente, levar a um medo paralisante e a uma escravidão virtual aos caprichos das entidades.
Outros hindus, menos devotos, adotam outra atitude. Tratam os deuses como trivialidades, quase como amuletos de boa sorte. Um motorista de táxi coloca uma estátua pequena de um deus macaco, enfeitada com flores, no painel de seu carro. se alguém lhe perguntar ele dirá que ora para o deus, pedindo proteção, mas depois, rindo, acrescentará que todos sabem como é o trânsito da Índia.
As duas reações modernas à idolatria ilustram o que alarmava tanto os profetas de Israel. Por um lado, o motorista de táxi mostra como a idolatria pode tornar a deidade trivial. Talvez o deus ajude, talvez não, mas não há motivo para não seguir as instruções dele. Alguns israelitas adotaram essa atitude, vagando, despreocupados, de um deus para outro. Nenhum outro comportamento poderia ser mais diverso do que o exigido por Javé, o Deus verdadeiro. Ele escolhera os hebreus para serem reino de profetas, povo especial, separado. Fez ironia quanto ao absurdo de esculpir uma árvore para fazer um deus e depois usar os ramos da mesma planta para cozinhar uma refeição (Isaías 44:16). Ele é o Senhor do Universo e não um amuleto de boa sorte.
Com muita freqüência os ídolos do Oriente Médio, porém, assumiam formas mais sinistras, mais semelhantes à da deusa do mal de Calcutá. Os seguidores de Baal, por exemplo, o adoravam através de relações sexuais mantidas com as prostitutas no templo, ou até mesmo matando bebês como sacrifício. Essas atitudes de adoração não podem, absolutamente, coexistir com a devoção a Javé. O deus Baal–Zebub, cujo nome significa "senhor das moscas", acabou tornando–se sinônimo do próprio Satanás (veja Mateus 10:25).
Por qual razão ídolos sinistros como Baal mostraram–se tão irresistíveis? Assim como garotos vindos da fazenda se maravilham com a vida na cidade grande, os israelitas chegaram, depois de 40 anos vagueando no deserto, a uma terra de estágio cultural muito superior ao seu. Ao se estabelecerem e começarem com sua nova ocupação agrícola, olharam para uma deidade dos cananeus, Baal, buscando ajuda no controle das condições climáticas. Em outras palavras: procuraram um atalho mágico. De modo semelhante, quando um exército poderoso se levantou e ameaçou suas fronteiras, os hebreus tomaram emprestados alguns dos ídolos favoritos daquele exército, precavendo–se para o caso de sua própria religião não lhes trazer o sucesso militar. Os ídolos se tornaram em uma fonte ilusória de poder, lugar alternativo onde investir a fé e a esperança.
O culto a imagens esculpidas só desapareceu de Israel depois que Deus tomou a medida extrema de desmantelar a nação. Mas outras formas de idolatria, mais sutis, persistiram, e persistem até hoje. De acordo com o Novo Testamento, esta prática não envolve, necessariamente, imagens de madeira ou de pedra. Qualquer coisa que nos tente a nos afastarmos do Deus verdadeiro pode funcionar como um ídolo.
Na sociedade moderna, dominada por apelos à imagem e ao status, os ídolos são abundantes. Não é surpreendente que a idolatria produza em nós hoje os mesmos resultados que produziu nos israelitas. Alguns deuses – Mamon, beleza, sucesso – apelam à nossa sede de mágica. No nível humano, operam maravilhas, concedendo–nos um tipo de poder mágico sobre a vida de outras pessoas, bem como sobre a nossa. Preocupo–me mais, porém, com os deuses falsos que fogem à identificação fácil, aqueles que tendem para a trivialidade e não para a mágica. Na idolatria clássica, um símbolo visível expressava a mudança de lealdade. A maior parte dos ídolos atuais é invisível, mais difícil de se detectar.
Que ídolos modernos fazem Deus parecer trivial? Que tende a reduzir a surpresa, a paixão e a vitalidade de meu relacionamento com Deus? Na maior parte do tempo, não tenho a consciência de escolher entre um deus e Deus; as alternativas não se apresentam claramente. Em lugar disto, descubro que Deus foi deixado de lado por causa de uma série de pequenas distrações. Um carro que precisa de conserto, planos de última hora para uma viagem que se aproxima, uma torneira que pinga, o casamento de um amigo, essas distrações, meras trivialidades, podem levar a uma forma de esquecimento que se assemelha à idolatria em sua forma mais perigosa. A vida ocupada, e incluo aqui toda a ocupação causada pela religião, pode excluir Deus. Confesso que em alguns dias me encontro com pessoas, trabalho, tomo decisões, converso ao telefone, tudo sem pensar em Deus sequer uma vez.
Uma amiga minha foi pega de surpresa por um cético. Depois de ouvir toda a explicação dela sobre a fé, ele disse:
"Mas você não age como se cresse que Deus está vivo."
Eu tento transformar a acusação dele em uma pergunta: Será que o modo como ajo mostra que Deus está vivo? É uma boa pergunta, que fica no âmago de toda idolatria, e que devo fazer a mim mesmo todos os dias.