Gente não é ostra
A ostra tem o seu esqueleto na
superfície e o sistema nervoso no interior do corpo. Pois a concha é, na
realidade, o seu esqueleto. A ostra gruda a uma rocha e ali fica. A vida passa
por cima... E assim a sua sensibilidade está protegida. Mas o ser humano é
diferente: o seu esqueleto está no interior do corpo e os nervos na superfície.
Por isso, a nossa sensibilidade é assaz desenvolvida. A sensibilidade funciona
como um radar. Ela acusa e registra tudo que pode ferir-nos e, assim, causar-nos
algum dano.
Muitas vezes, em nossos
relacionamentos, não levamos em consideração que gente não é ostra – falamos ou
agimos sem considerar a sensibilidade de nosso próximo. Isso acontece com
doutores e analfabetos, com santos e pecadores. E grandes servos de Deus têm
caído nessa armadilha. O que aconteceu com Paulo e Barnabé deve ser uma
advertência para todos nós. “Alguns dias depois, disse Paulo a Barnabé:
Voltemos, agora, para visitar os irmãos por todas as cidades nas quais
anunciamos a palavra do Senhor, para ver como passam. E Barnabé queria levar
também a João, chamado Marcos. Mas Paulo não achava justo levarem aquele que se
afastara desde a Panfília, não os acompanhando no trabalho. Houve entre eles
tal desavença, que vieram a separar-se. Então, Barnabé, levando consigo a
Marcos, navegou para Chipre. Mas Paulo, tendo escolhido a Silas, partiu
encomendado pelos irmãos à graça do Senhor. E passou pela Síria e Cilícia,
confirmando as igrejas” (Atos 15.36-41).
É provável que Paulo e Barnabé
tenham usado palavras duras, talvez até violentas, um contra o outro, pois,
pelo menos o que consta na Bíblia, nunca mais trabalharam juntos.
Desse incidente podemos tirar
várias lições:
a) Precisamos ter cuidado
com nossas palavras para que elas não firam a sensibilidade das pessoas. Lembremo-nos do sábio conselho de Salomão: “A resposta branda
desvia o furor, mas a palavra dura suscita a ira” (Provérbios 15.1).
b) Uma outra lição é que não
podemos afirmar, com absoluta exatidão, que a posição assumida por nós está
correta. Paulo não queria a companhia de Marcos porque julgava que ele
não tinha a firmeza e a tenacidade necessárias para a obra missionária. Barnabé
queria levar o primo (ver Colossenses 4.10) porque entendia que era correto
dar-lhe uma segunda chance. Paulo e Barnabé poderiam citar palavras de Jesus
para apoiar a decisão que tomaram. Paulo poderia lembrar que “Ninguém que,
tendo posto a mão no arado, olha para trás é apto para o reino de Deus” (Lucas
9.62). E Barnabé poderia responder que o perdão nunca pode ser negado, ainda
que seja necessário perdoar “setenta vezes sete” (Mateus 18.22). Mais tarde
Paulo readmitiu Marcos em sua companhia, mas naquele momento era muito difícil
constatar qual dos dois estava certo.
Se entre o que eu penso sobre
determinada coisa e o outro eu não conseguir estender a
ponte do amor, torno-me uma parede que bloqueia a relação. A parede da
insensibilidade, do desrespeito, da maledicência, da indiferença e da mentira,
é o mecanismo que me impede de ver outro sob a ótica da graça de Deus.
Paulo e Barnabé foram dois gigantes na vida espiritual, mas –
infelizmente – pelo menos em uma ocasião eles não perceberam que gente não é
ostra.
Rev. Ézio Martins de Lima