sexta-feira, agosto 21, 2009

Por baixo dos panos

Nove meses depois de firmado, tratado entre Brasil e Vaticano só agora chama a atenção da sociedade e desperta críticas

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Um acordo assinado entre o governo brasileiro e o Vaticano no fim do ano passado e que agora tramita no Congresso Nacional está deixando setores da Igreja Evangélica nacional bastante preocupados.

Os detalhes, que começaram a ser acertados durante a visita do papa Bento XVI ao país, em 2007, estão no documento Acordo entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé relativo ao estatuto jurídico da Igreja Católica no Brasil, firmado no dia 13 de novembro de 2008, durante visita oficial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Estado do Vaticano.

O instrumento leva as assinaturas dos ministros do Exterior da Santa Sé, D.Dominique Mamberto, e do Brasil, o chanceler Celso Amorim. Negociado sem um debate mais amplo e sem a divulgação adequada – apesar da comitiva de jornalistas que acompanhava o presidente, as notícias veiculadas sobre o assunto não detalharam aspectos do tratado –, o acordo, em tese, apenas regulamenta o funcionamento da Igreja Católica Apostólica Romana em território brasileiro. Mas também pode desencadear interpretações enviesadas e tendenciosas.

Submetido em fevereiro ao Legislativo na forma da Mensagem 134/2009, o documento deverá ser apreciado pelas Comissões de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (CREDN) e pela de Constituição e Justiça e de Cidadania – CCJC. No momento, o acordo aguarda a designação dos relatores responsáveis pelos pareceres em cada Comissão. Com 20 artigos, ele trata de diversos assuntos, incluindo amenidades como as relações diplomáticas entre a Santa Sé e o Estado brasileiro e o reconhecimento mútuo de títulos e graduações acadêmicas. Mas alguns de seus trechos geram polêmica, como o que trata do ensino religiosos nas escolas e da natureza e conservação do patrimônio da Igreja e instituições católicas. Representantes de órgãos ligados à Igreja Evangélica já manifestam preocupação. “A proposta de ensino religioso, nos termos do Artigo 11 do acordo, contrapõe o princípio de laicidade do Estado”, aponta o Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso (Fonaper).

Em manifesto, a entidade reclama que o conteúdo do acordo não passou por um debate público, aberto e transparente sobre as implicações poderia trazer à sociedade brasileira. “O processo democrático exige que as questões de interesse público sejam amplamente debatidas pela sociedade”, lembra o Fonaper. O fórum expressa maior preocupação em relação à parte que trata do ensino religioso. No entender do organismo, a menção específica ao ensino católico nos currículos escolares contraia a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.475), que estabelece que o ensino religioso deve ter caráter amplo, baseado nos princípios e valores comuns a toda as religiões “como forma de exercitar e promover a liberdade de concepções”. Para o Fonaper, a proposição poderia expressar uma concepção de ensino religioso a serviço das instituições religiosas – no caso, o catolicismo – e não da educação.

“Poderia a Igreja Católica transformar tal espaço em aulas de religião, para catequização e doutrinação religiosa?”, indaga o manifesto.

Além disso, o status do tratado confere à Igreja Católica uma representatividade que as demais confissões jamais terão, já que é ligada a um Estado estrangeiro. O Colégio Episcopal da Igreja Metodista também veio a público manifestar sua contrariedade com a iniciativa, em nota assinada pelo seu presidente, bispo João Carlos Lopes.

Lembrando que o direito à liberdade religiosa é um dos pilares das sociedades democráticas, o órgão denominacional denuncia que ele fere preceitos constitucionais relativos à separação entre a Igreja e o Estado e apela aos legisladores para que não referendem o acordo.

Patamar diferenciado – “Ratificar o acordo significará o Congresso Nacional alçar a Igreja Católica, por meio de um acordo internacional, a um patamar oficialmente diferenciado das demais religiões”, critica a professora Roseli Fischmann, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de São Paulo (USP). Segundo ela, uma vez aprovado pelo Legislativo, o texto – que chama de concordata entre um Estado laico, o Brasil, e um teocrático, o Vaticano – passa a integrar o direito brasileiro, “atropelando processos legislativos complexos como os que a ordem constitucional garante, tanto do ponto de vista processual da técnica legislativa, quanto das negociações políticas inerentes à democracia”.

A estudiosa lembra que o texto assinado busca justificação baseando-se, de um lado, nos documentos do Concílio Vaticano II e no Código Canônico, o que, no seu entender, pode representar uma regulamentação da esfera civil baseada em normas religiosas. “A Igreja Católica, como religião, tem direito de escolher a norma que quiser para regulamentar a vida de seus seguidores, mas estes também precisam ver respeitados seus demais direitos como cidadãos brasileiros, sendo que poderão invocá-los quando quiserem, sem restrições ou privilégios.”

Outro item polêmico do acordo binacional é o que versa sobre isenções fiscais para rendas e patrimônios de pessoas jurídicas eclesiásticas, mencionadas no artigo 15. É que existe uma grande preocupação sobre o uso da imunidade tributária das receitas das igrejas, e não apenas a Católica. Uma das cláusulas determina que imóveis, documentos e objetos de arte sacra integram o patrimônio cultural brasileiro, e que tanto a Igreja quanto o poder público passam a ser responsáveis pela sua manutenção. Em tese, o dispositivo abre brecha para que recursos públicos sejam investidos na conservação de bens de natureza privada. “Mais que estabelecer o território dos templos católicos como se tivessem imunidade diplomática, o acordo estende seu braço normativo e restritivo de direitos estabelecidos pela Constituição Federal ao conjunto da cidadania brasileira”, insiste Roseli.

Apontada pelo Acordo entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé como instância representativa do catolicismo nacional junto ao governo brasileiro, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) defende que seu conteúdo não concede privilégios à Igreja Católica. Em nota divulgada logo após a assinatura do tratado, a CNBB afirma que ele “não concede privilégios à Igreja Católica nem faz nenhuma discriminação com relação às outras confissões religiosas”. A senadora Ada Mello (PTB-AL) também defende a constitucionalidade do tratado. Segundo a parlamentar, ele apenas “formaliza aspectos já vigentes no dia-a-dia do país”.

Na verdade, o documento firmado entre o Executivo brasileiro e o Estado do Vaticano não foi uma resolução nova.

Há alguns anos, a Santa Sé vem trabalhando para fazer com que o maior país católico do mundo firmasse o compromisso. O assunto foi discutido muitas vezes nos últimos anos dentro de vários ministérios em Brasília, visando à formulação do texto. O caráter sigiloso da matéria é que chama a atenção. De forma semelhante, em 2004, um tratado do gênero foi assinado entre o governo de Portugal, outra nação tradicionalmente católica, e o Vaticano.

Desde então, uma comissão paritária , com membros nomeados pelas duas partes, tem poder de decisão sobre assuntos nacionais, como o ensino religioso nas escolas públicas.
“Na medida em que o acordo contenha direitos e prerrogativas para a Igreja Católica, esperamos que o governo brasileiro os estenda, com naturalidade, às demais confissões, pois trata-se de preceito constitucional que não pode ser ferido”, defende o pastor Walter Altmann, presidente da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB). Em uma carta pastoral, o dirigente avalia a substância do acordo quanto às suas consequências e repercussões em relação à liberdade de culto, ao ensino religioso nas escolas públicas e ao reconhecimento dos ministros religiosos. “São assuntos que dizem respeito não apenas à Igreja Católica, mas também às demais igrejas.

Nesse sentido, lamentamos que o acordo tenha sido elaborado, negociado e, por fim, assinado sem que tivesse havido uma troca de idéias e um diálogo com outras confissões religiosas, bem como com a sociedade em geral”, enfatiza a carta.

Repórter: Yuri Nikolai

http://cristianismohoje.com.br/ch/por-baixo-dos-panos/

quinta-feira, agosto 20, 2009

O inesgotavelmente inesperado

Um dia, cerca de nove séculos antes de Cristo, uma mulher da aldeia de Sarepta, em pleno período de fome, vê entrar em sua casa Elias, o homem de Deus. Nas suas reservas havia apenas um pequeno resto de farinha e de azeite. Para acolher o seu hóspede, esta viúva não hesita em cozer três pães com tudo aquilo de que dispunha. E eis que surge o inesperado… a farinha e o azeite não vão faltar. (ver 1 Reis 17. 7-16)

Não é isto uma parábola para a nossa vida?
Com quase nada, com muito pouco, vive-se inesgotavelmente o inesperado.


quarta-feira, agosto 19, 2009

Será que tudo o que acontece está decidido antecipadamente por Deus?

O tema é mais que polêmico, mas precisamos lidar com ele o tempo todo, especialmente porque sobre ele somos questionados ou nos auto-questionamos.

Vale a pena ler e meditar. O texto é bom.

Ézio, pr

Será que tudo o que acontece está decidido antecipadamente por Deus?


Para muitos dos nossos contemporâneos, a fé num Deus todo-poderoso e onisciente não é facilmente conciliável com uma verdadeira liberdade de escolha dada aos homens. Se Deus sabe tudo o que vai acontecer e se ele tem um desígnio para a sua criação, por que havemos de nos esforçar por fazer escolhas autênticas?

Em primeiro lugar, a noção de um «desígnio» ou de um «plano» de Deus não significa que exista uma espécie de livro em que tudo está previamente escrito. Isso quer apenas dizer que a existência do universo e as nossas próprias vidas não são fruto do acaso, nós existimos com vista a qualquer coisa. Deus criou o mundo e os homens para nos fazer entrar numa relação com ele, para partilhar conosco a sua própria vida. Como diz um velho hino cristão: «Foi assim que ele nos escolheu em Cristo antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis na sua presença, no amor.» (Efésios 1,4) Todos os acontecimentos através dos quais Deus se manifesta no exterior são comandados por uma prioridade lógica e não cronológica, a intenção de nos dar a vida em plenitude numa comunhão com ele. É isto o seu «desígnio», a sua única vontade, e não é mais do que a expressão do seu amor.

Esta vontade de amor exprime-se numa grande diversidade de pessoas e de situações. Manifesta-se em primeiro lugar nos dons concedidos por Deus às suas criaturas. Um dos maiores dons dos seres humanos é a sua capacidade de fazer escolhas, de agir livremente. Esse dom é essencial, pois Deus deseja de nós uma resposta de amor ao seu amor. Forçar ou determinar as nossas escolhas estaria em total contradição com o seu desígnio, tornaria o amor impossível.

O engano de crer que tudo está já determinado provém de uma confusão entre Deus tal qual é em si mesmo e o tempo criado. Deus não está submetido ao nosso tempo. Não é nem «antes» nem «depois», Deus É. No Evangelho de João, Jesus diz: «Antes de Abraão existir, eu sou!» (João 8,58). O ponto de contacto entre Deus e nós só pode ser o momento presente: alguém chamou mesmo a Deus «o eterno presente». Ele não criou o universo para depois se retirar para o seu «esplêndido isolamento». Pelo contrário, pelo seu Espírito, vive cada instante da nossa vida conosco, encoraja-nos a vivê-la na maior harmonia possível com a sua vontade de amor. Longe de estar fixado à partida, o desígnio de Deus é aquilo que nós criamos na sua companhia minuto a minuto, ao longo da nossa existência, procurando responder plenamente ao dom do seu amor numa vida de solidariedade e de serviço aos outros.

O que significa para um crente a liberdade de escolha?

A liberdade compreende-se de tantas maneiras diferentes. Nos dias de hoje, é costume sublinhar-se o lado da escolha: ser livre é poder decidir por si próprio aquilo que se quer ser ou fazer. Isto vai tão longe que, para alguns, Deus seria mesmo um inimigo do homem porque teria a pretensão de ditar o seu comportamento. A fé, por conseguinte, tirar-nos-ia a nossa liberdade.

Para se ter uma visão integral da liberdade, é necessário distinguir dois níveis. Num primeiro nível, a liberdade acarreta escolhas que não são determinadas por constrangimentos exteriores. Deus, ao criar o ser humano à sua imagem, deu-lhe o dom dessa capacidade de escolher. Em nós, não está tudo programado à partida. Para crescermos, temos de dar passos que ninguém pode dar por nós. E, como foi já dito muitas vezes, até o fato de não escolher é uma escolha!

Essa capacidade de escolher, que em si é boa e necessária, não é suficiente para alcançar a liberdade verdadeira. Temos de fazer escolhas em função de qualquer coisa, os nossos percursos orientam-se em direção a uma finalidade. Para nos tornarmos verdadeiramente livres, essa finalidade não pode ser outra senão a de nos tornarmos a pessoa que somos verdadeiramente, deixar desabrochar plenamente a nossa identidade.

Percebe-se que uma concepção de liberdade que nos encorajaria a fazer não importa o quê é defeituosa, mesmo no plano humano. Há escolhas que nos tornam menos nós próprios. Para tomar exemplos extremos, alguém que decide «livremente» drogar-se, ou até suicidar-se, corta o ramo sobre o qual está sentado e priva-se da possibilidade de tomar decisões posteriores que o poderiam conduzir à felicidade.

«Senhor, tu examinaste-me e conheces-me», canta o salmista (Salmo 139,1). Se o criador do coração humano é aquele que o conhece melhor do que qualquer um (ver Jeremias 17,9-10), com a sua ajuda seremos capazes de fazer escolhas que nos conduzirão à nossa identidade verdadeira e portanto à nossa verdadeira felicidade. Deus ajuda-nos primeiro através da sua Palavra, que nos indica a forma autêntica de agir, e que culmina na vida do seu Filho, Cristo Jesus. Ajuda-nos também pela presença interior do seu Espírito, fruto da morte e da ressurreição de Cristo. Confiando em Deus e procurando seguir os seus passos, não abdicamos da nossa liberdade; utilizamos a nossa capacidade de fazer escolhas livres para nos tornarmos verdadeiramente nós próprios numa relação com a Fonte da nossa existência. Criamos espaço para o pleno desabrochar da vida humana em nós e à nossa volta.

O texto é de autoria coletiva dos líderes da Comunidade Taizé (França)

domingo, agosto 16, 2009

Câmara está prestes a aprovar Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil



Câmara está prestes a aprovar Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil

Segundo reportagem da Agência Câmara, a Comissão de Relações Exteriores aprovou no dia 12 de agosto de 2009 o acordo que cria o Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil.


No parecer aprovado, o relator, deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), afirmou que o acordo não fere a Constituição Federal, enfatiza a necessidade de relações internacionais com todos os povos e admite a aproximação com todas as religiões.
Composto por 20 artigos, o acordo foi assinado pelo Brasil e pelo Vaticano em 2008 e submetido à Câmara sob a forma da Mensagem 134/09. O texto estabelece normas, entre outros assuntos, sobre:

- ensino religioso;
- casamento;
- imunidade tributária para as entidades eclesiásticas;
- prestação de assistência espiritual em presídios e hospitais;
- garantia do sigilo de ofício dos sacerdotes; e
- visto para estrangeiros que venham ao Brasil realizar atividade pastoral.

O acordo também reforça o vínculo não-empregatício entre religiosos e instituições católicas, ratificando regras já existentes.
Em relação ao casamento, por exemplo, o acordo estabelece que o matrimônio celebrado de acordo com as leis da Igreja que atender também às exigências do Direito terá efeitos civis. Já no que diz respeito ao ensino religioso, o tratado menciona o respeito à importância dessa disciplina, seja católica ou de outra religião, mas com matrícula facultativa no ensino fundamental das escolas públicas.

“A Comissão tomou a posição que me parece mais certa para o interesse público e para a vida social da nação. Esse acordo não exclui de forma nenhuma as demais religiões existentes no Brasil. Acho que procura realmente criar um convívio efetivo de todas as religiões. Não tem inconstitucionalidade. Ele [o acordo] repete a Constituição e a legislação brasileira de modo que está totalmente integrado no sistema jurídico brasileiro e não atinge nenhuma lei ou norma jurídica”, afirmou o relator.

A discussão da matéria, no entanto, foi polêmica. Sete deputados votaram contra a proposta. O deputado Ivan Valente (Psol-SP), por exemplo, considerou um erro do governo brasileiro a assinatura do acordo. “Eu acho que a CCJ devia se manifestar pela inconstitucionalidade, porque aqui há um acordo entre um Estado republicano democrático e um Estado teocrático. Então, não é um acordo comercial, é um acordo que envolve a opção preferencial por uma religião, quando isso atenta contra própria Constituição, que prevê total liberdade religiosa e de culto, sem nenhuma predisposição a adotar uma como preferencial”.

TRAMITAÇÃO
A proposta ainda será analisada pelas comissões de Trabalho, Administração e Serviço Público; de Educação e Cultura; e de Constituição e Justiça e de Cidadania; antes de ser votada em plenário. Já há, no entanto, pedido de urgência para matéria, o que pode permitir a votação direta pelo Plenário.

(Texto da Agência Câmara — Reprodução autorizada)