quarta-feira, maio 24, 2006

Avaliando um texto do Rubem Amorese... (um pouco de política)

Pediram-me para falar sobre um texto do Rubem Amorese publicado na "Revista Ultimato", eis as minhas considerações...

Primeiramente quero agradecer-te pelo envio do texto e pelo desafio de "pensar".
Li o texto do Rubem Amorese, e "tentei ler o texto além do texto".
O autor parte da "gênese da autocompreensão do religioso" que se compreende moralmente bom em detrimento dos "nao-religiosos" que são maus; estes, quando sao "bons", na verdade "são bonzinhos", ou "aparentemente bons", porque "bons de verdade" somos nós, os religiosos.
Concordo com o texto do R. Amorese em parte. Concordo que oprimido pode rapidamente passar a ser opressor... Só não estou convencido de que um cristão, cujo 'coração foi mudado e fora feito nova criatura" (expressões que ele usa), estaria livre de cometer o mesmo erro. O que nos identifica com o projeto de Jesus é a nossa moral ou a nossa fé na sua obra propiciatória ainda que nao sejamos moralmente perfeitos? Seremos identificados como discípulos de Jesus pela nossa pureza, perfeiçao, ou por nossa fé em Sua obra graciosa, que, inclusive salva a mim, "o maior dos pecadores"?
Isto posto, tenho dificuldade de compreender que a salvaçao proposta em Atos 4.12 tenha a ver com o fato de sermos "melhores", (do ponto de vista moral). Claro que o "evangelho' muda nossos valores, princípios, e, pela graça, até nosso comportamento (que nem sempre é fruto de uma conversão espiritual, mas do mero condicionamento provocado pelo mimetismo religioso, haja vista que nossos padrões de "santo", "espiritual" sao aprendidos... aprendemos a falar como crente, a vestir como crente, a cantar como crente, a pensar como crente...). Mas a questao é a tal da "natureza humana" à qual o Mikhail Bakunin se refere ( veja no texto do R. Amorese a parte destacada).
Parece-me que aqui voltamos ao assunto de ontem sobre o tal "exercício do poder', que você sabiamente chamou de "o mal necessário". Pelo argumento do R. Amorese poderíamos até supor que um governo de cristãos seria o antídoto para a tragédia da imoralidade, injustiça, corrupção... e cá fiquei eu pensando com meus botões sobre a história da igreja, sobre estas tentativas... e me dá um medo de imaginar que podemos trocar o poder do amor pelo amor ao poder...
Que Deus tenha misericórdia de nós!


O texto do Rubem Amorese, na íntegra:

Só Cristo salva

Rubem Amorese


Houve um tempo em que li tudo de Paulo Freire, o famoso educador pernambucano, autor de Pedagogia do Oprimido, Ação Cultural para a Liberdade e Educação como Prática da Liberdade, entre outros. Na verdade, ainda sou seu admirador, pois acredito em muitas de suas idéias pedagógicas. Em especial, naquelas que propõem o universo existencial de cada aluno como temática para sua experiência conscientizadora. Substitui-se o adestramento “Ivo viu a uva” por desafios cognitivos a partir do cotidiano concreto do aluno.

Já faz muito tempo que estive estudando o assunto, mas lembro-me de certo inconformismo com um detalhe dessa proposta pedagógica: seu caráter “soteriológico”. Eu explico: As propostas de Paulo Freire eram tão inovadoras que, nas conversas e debates, passava-se a idéia de “salvação”. Ou seja, a conscientização teria o condão de elevar o oprimido a um novo patamar moral, agora liberto do jugo dos “senhores-de-engenho”, dos “capitães-mores” e seus sucessores modernos.

Embora compreendesse o poder dessa práxis pedagógica, que liberta da alienação e das amarras do saber domesticado, algo em minha formação bíblica me questionava se o oprimido, uma vez alforriado pela educação libertadora, teria interesse em mudar as regras do jogo de poder; se o funcionário explorado, chegando à condição de patrão, teria interesse em alterar o sistema de regras sob o qual padeceu; se a empregada doméstica trataria com maior respeito sua própria empregada; se o ex-menino de rua, tendo chegado à chefia do banco, seria mais sensível à condição de seus contínuos e serventes. Algo me dizia que “não necessariamente”; que a conscientização não teria esse poder. E se era assim, então, conquanto a conscientização pudesse libertar o oprimido das trevas da ignorância, não poderia mudar seu coração.

Tive de me calar, por ser voz destoante, “voto vencido”. No meio acadêmico não tem peso uma nota de rodapé citando Jeremias: “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto; quem o conhecerá?” (Jr 17.9).

Hoje, olho para a situação do nosso país, com os ex-oprimidos no poder; para as notícias dos jornais e recebo, pela internet, uma citação de Mikhail Bakunin (1814-1876): “Assim, [...] chega-se ao mesmo resultado execrável: o governo da imensa maioria das massas populares se faz por uma minoria privilegiada. Esta minoria, porém, dizem os marxistas, compor-se-á de operários. Sim, com certeza, de antigos operários, mas que, tão logo se tornem governantes ou representantes do povo, cessarão de ser operários e por-se-ão a observar o mundo proletário de cima do Estado; não mais representarão o povo, mas a si mesmos e suas pretensões de governá-lo. Quem duvida disso não conhece a natureza humana.”

Quer dizer que sepultamos nossa última esperança? Acho que não. Resta-nos Jesus. Sempre soubemos — e vale lembrar — que “não há salvação em nenhum outro; porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos” (At 4.12). Só Jesus muda o coração e nos faz novas criaturas. Só Cristo salva.





terça-feira, maio 23, 2006

A escola do contentamento

Recebi recentemente um texto que se reportava a uma entrevista concedida pelo médico Drauzio Varella. Segundo o texto, o Dr. Drauzio afirmou que nós ‘temos um nível de exigência absurdo em relação à vida’, que queremos que absolutamente tudo dê certo, e que, às vezes, por aborrecimentos mínimos, somos capazes de passar um dia inteiro de cara a marrada. O texto que recebi, continuava assim: “Tem gente que tem a vida muito parecida com a de seus amigos, mas não entende porque eles parecem ser tão mais felizes. Será que nada dá errado para eles? (...). O que não falta neste mundo é gente que se acha o último biscoito do pacote. Que "audácia" contrariá-los! São aqueles que nunca ouviram falar em saídas de emergência: fincam o pé, compram briga e não deixam barato. Alguém aí falou em complexo de perseguição? Justamente. O mundo versus eles. (...) Vinte e quatro horas têm sido pouco para tudo o que eu tenho que fazer, então não vou perder ainda mais tempo ficando mal-humorado. Se eu procurar, vou encontrar dezenas de situações irritantes e gente idem, pilhas de pessoas que vão atrasar meu dia. Então eu uso a "porta do lado" e vou tratar do que é importante de fato. Eis a chave do mistério, a fórmula da felicidade, o elixir do bom humor, a razão porque parece que tão pouca coisa na vida dos outros dá errado”.

A leitura deste texto levou-me a alguns minutos de reflexão! Fiz um paralelo entre as palavras do texto, as palavras do apóstolo Paulo, as minhas reações e as reações cotidianas da maioria das pessoas...

Estou certo que precisamos urgentemente formar-nos na “Escola do Contentamento”. Mas não se engane! De todas as disciplinas educativas nesse universo da experiência, a mais difícil de todas é a que trata do contentamento. Nada pode ser mais custoso do que uma vida pautada pela autêntica satisfação. De um modo geral, os alunos na escola da vida são reprovados nessa matéria, quando demonstram com desgosto imenso suas lamúrias diante das realidades da existência. Muito pouca gente consegue classificação nesse assunto.

O apóstolo Paulo foi um dos raros discípulos aplicados nessa Escola do Contentamento, pois realmente aprendeu a viver satisfeito. Quando ele escreveu esta carta, encontrava-se preso em Roma sob condições extremamente hostis. Paulo sofreu nessa vida as mais duras perseguições e passou por momentos de privações humilhantes, sem jamais demonstrar uma atitude de desprazer.

Ser aprovado em matéria de contentamento não é um assunto que estimule as multidões, mas uma mente satisfeita é uma festança que anima muita gente tediosa. Como é bom conviver com uma pessoa que sabe celebrar a vida! A verdadeira satisfação resplandece no escuro, por isso Paulo, em um cárcere tenebroso em Filipos, era mais exultante do que Adão no paraíso dos prazeres.

Aquele que se satisfaz com menos tem um patrimônio muito grande para garantir a sua felicidade duradoura. Alguém disse que “o contentamento consiste não em acrescentar mais combustível, mas em diminuir o fogo; não em multiplicar a riqueza, mas em diminuir os desejos”. Aquele que se encontra satisfeito com menos coisas é bem mais feliz do que aquele que vive ambicionando ansiosamente cada vez mais, buscando avultar o muito que já possui. A verdadeira riqueza não consiste em ter muitos bens, mas em viver bem com menos riqueza.

Viver contente em todas as situações é uma bênção da pedagogia celestial. A escola da graça de Deus é muito prática e aqueles que aprendem a viver contentes são treinados na experiência diária. Deus nunca ensina um conteúdo espiritual aos seus filhos de maneira teórica. A educação dos santos é exercida no traquejo efetivo da realidade cotidiana. No reino de Deus não há contentamento sem fornalhas aquecidas nem serrotes amolados.

Mas, o contentamento não significa acomodação. A obra da graça de Deus não propõe a estagnação das pessoas nem o conformismo da iniciativa. Graça indolente é uma contradição de termos. O contentamento do coração nada tem a ver com esse desinteresse anêmico ou a resignação apática de gente lerda. O espírito satisfeito pela graça de Deus não quer dizer um espírito indiferente ao crescimento de uma vida sadia. Toda pessoa alcançada pelo evangelho de Cristo torna-se diligente em sua missão nesse mundo.

Bom... mas sobre isso continuaremos falando outro dia...

No amor dAquele que nos amou primeiro,

Rev. Ézio Martins de Lima