sexta-feira, outubro 15, 2010

Manifesto Evangélico por um Processo Eleitoral Ético

Nós, evangélicos e evangélicas, brasileiros, eleitores e cidadãos comprometidos com a verdade e a justiça, manifestamos profeticamente as nossas rejeiçõe...s e defesas diante da onda de conservadorismo que se abateu sobre o país nesse processo eleitoral.
Rejeitamos os posicionamentos de alguns líderes evangélicos, que em vez de preparar cidadãos, com plenos conhecimentos de seus direitos e deveres, encaminham seus fieis para um exercício equivocado da fé.
Rejeitamos a disseminação de boatos e inverdades com fim de manipular o eleitorado.
Rejeitamos a manipulação, seja ela de que forma for, e a redução das questões cruciais e relevantes no processo eleitoral a temas presos ao mero moralismo.
Rejeitamos o uso da fé como instrumento de manipulação política no momento em que temas como erradicação da pobreza, sustentabilidade ambiental e desigualdade social precisam ser discutidos pela sociedade.
Rejeitamos o papel da mídia, que dá voz e espaço, para que a onda de conservadorismo ganhe visibilidade, desviando o foco das propostas dos candidatos.
Rejeitamos a demonização dos candidatos e partidos, além do processo eleitoral.
Rejeitamos a difusão de informações equivocadas dos papéis que cabem ao Executivo e ao Legislativo no país.
Rejeitamos qualquer forma de intolerância religiosa.
Dessa forma, defendemos que as eleições devem girar em torno das questões programáticas e dos planos de governo.
Defendemos, como herança do Protestantismo, a manutenção e o fortalecimento do Estado Laico.
Defendemos a necessidade de uma reforma política e eleitoral que leve o Brasil, do sistema proporcional, no máximo, ao distrital misto, para que os candidatos tenham vínculos comunitários.
Defendemos o aprofundamento do Estado de Direito e a consecução do estabelecimento do Estado de Equidade social, política e econômica.
Defendemos uma Igreja independente, que não se submeta aos interesses políticos e eleitorais. Ao contrário, que exerça sua função profética produzindo cidadãos livres e conscientes de seu papel cívico.
Defendemos a manutenção e o avanço das conquistas sociais que, nos últimos anos, fizeram com que uma parcela significativa de brasileiros saísse dos níveis de pobreza inaceitáveis em que viviam.
Defendemos a manutenção de políticas públicas que promovam a erradicação da pobreza e a maior igualdade entre os brasileiros.
Por fim, assumimos o compromisso de continuarmos orando e contribuindo solidariamente com a construção de um Brasil sustentável, economicamente viável, socialmente justo.
 

segunda-feira, outubro 11, 2010

Lave seu sofrimento com as Lágrimas da Esperança!


Com lágrimas se consumiram os meus olhos, turbada está a minha alma, e o meu coração se derramou de angústia por causa da calamidade da filha do meu povo; pois desfalecem os meninos e as crianças de peito pelas ruas da cidade” (Lamentações 2.11)
O livro das “Lamentações de Jeremias” é um relato do olhar do profeta para a cidade de Jerusalém, assolada, destruída e com cheiro de morte; situação causada pelo  descerramento de boa parte de sua população para a Babilônia.
O livro das “Lamentações de Jeremias” é esse olhar para o sofrimento, numa tentativa de tentar compreendê-lo e, ao mesmo tempo, harmonizar a sua realidade diante da fé.
Compreender o sofrimento é uma tentativa constante dos seres humanos em todas as eras e em todos os lugares. C. S. Lewis escreveu que “O erro e o pecado são um mal mascarado; o sofrimento é um mal às claras, indiscutível. Todo homem sabe que algo está errado quando sente dor”.[1]
É justamente a anormalidade do sofrimento que nos traz os mais tenebrosos questionamentos. Há momentos na vida que o céu parece estar longe demais e a terra não pode ser sentida sob os pés. Que o nosso olhar não consegue vislumbrar absolutamente nada à frente, e nem nossas palavras conseguem expressar. Nossos conhecimentos não explicam, nossa fé parece ser pequena demais, nossos credos, doutrinas e chavões até então cridos como verdades inflexíveis, parecem perder o sentido. Não há como pensar ou falar, tão somente ‘sentimos a dor’.
Diante do sofrimento podemos reagir de muitas maneiras:
1. indiferença:
Numa sociedade voltada para o consumo e para o bem-estar pessoal, a indiferença frente ao sofrimento dos outros é quase sempre a primeira alternativa a ser seguida.
Mark Twain, “É muito fácil lidar com a adversidade. Com a dos outros, especialmente”. [2]
Jeremias não foi indiferente, mas sentiu o sofrimento da cidade! Jeremias chorou a dor da cidade! Jeremias questionou a Deus pelo sofrimento da cidade. Jeremias orou a Deus para que consolasse os aflitos e angustiados da cidade. Jeremias sabia que somente Deus poderia consolar a dor daqueles que sofriam.
Como temos reagido frente ao sofrimento dos outros?
Jesus ensina-nos a reagir frente ao sofrimento dos outros...  As palavras “compaixão” e “misericórdia” são freqüentemente utilizadas para as ações de Jesus frente aos que sofriam. Precisamos pedir a Deus que encha nosso coração de “compaixão” por este mundo que sofre! O egoísmo (o amor a si mesmo) e a indiferença (a preocupação somente com o que me é próprio) são as marcas do inferno, mas o amor, a marca do Reino de Deus, nos faz voltar nossos olhos ao próximo e estender-lhes as mãos!
2. Revolta
Jeremias não se deixa dominar pela indiferença, mas tampouco pela revolta. A rebeldia pode ocupar nosso coração se nossa visão sobre Deus for distorcida ou nosso conhecimento sobre Ele for superficial.
A revolta é a rebelião contra aquele que está no poder (ou que detém o poder).  Diante do sofrimento muitos permitem que a revolta ocupe lugar no coração. A revolta contra Deus é, em suma, o sentimento que nasce por se considerar Deus impotente e, ou, indiferente.  
Jeremias não se revolta contra Deus. Ele fica indignado com o sofrimento, mas não fica indignado com Deus.
O que Jeremias faz?
3. Jeremias lava seu sofrimento nas lágrimas da esperança (leia Jeremias 3.19-25)
Jeremias vai de encontro ao sofrimento, mas percebe que o olhar para o sofrimento pode secar a fé no coração. Sem Deus, o sofrimento torna-se absoluto. Mas a fé em Deus é a certeza de que não há outro absoluto senão Ele mesmo. (vs. 17-18).
Jeremias torna as suas lágrimas de indignação pelo sofrimento em lágrimas de esperança. Não é o soluço do rebelde e desesperado, mas o pranto do que crê e, por isso, espera em Deus.
Minhas próprias experiências com o sofrimento levaram-me a perceber o quanto a Igreja evangélica brasileira é carente de um aprofundamento bíblico e teológico deste tema. Nossa teologia triunfalista e ufanista não consegue assimilar a realidade da dor e do sofrimento negando-o ou espiritualizando-o. A teologia do mérito (pessoas boas não sofrem coisas ruins) leva quase sempre as pessoas a afastarem se Deus quando passam pelas agruras da vida.
Transcrevo abaixo as palavras do teólogo Jürgem Moltmann a fim de que possamos refletir sobre o que a fé cristã tem a dizer sobre o sofrimento:

 “Na fé cristã, a angústia não nos separa de Deus, mas ao contrário nos conduz a uma comunhão mais profunda com Deus. A fé cristã em Deus é essencialmente comunhão com Cristo, e a comunhão com Cristo é essencialmente a comunhão com o Cristo que foi tentado e que sofreu e se sentiu abandonado. Em sua própria angústia, o homem participa na angústia de Cristo, pois Cristo em seus sofrimentos passou pelos mesmos sofrimentos e angústias que afetam os seres humanos (...) “Por isso, na espiritualidade cristã, Cristo crucificado sempre serviu de consolo na angústia e no medo. E, certamente, não precisamente porque Cristo, como Filho de Deus, pode viver essencialmente livre da angústia e incapaz de sofrer, mas sim precisamente por causa da sua ‘angústia e seu castigo’ (...) Isto se expressa de um modo impressionante naqueles versos de Paul Gerhardt: ‘Quando meu coração se encontra/ na angústia mais profunda/ livra-me das angústias/por tua angústia e teu tormento”[3].

                                                     
Soli Deo Gloria!



Ézio Martins de Lima, rev


[1] O problema do sofrimento. São Paulo, Mundo Cristão, 1983, p. 67
[2] apud SWINDOLL, Charles.  O Mistério da Vontade de Deus.   São Paulo, Mundo Cristão. 2001, p. 14.
[3] MOLTMANN, Jürgen,  Experiencias de Dios.  Salamanca, Sigueme, 1983, p. 68. (tradução livre do autor)