"Queiramos ou não, precisamos nos observar, e manter aquele diálogo interior que, no extremo, pode ser uma amarga ruminação, mas que, bem dosado, ajuda-nos a viver melhor com nossos semelhantes".
Moacyr Scliar
Advertências a mim próprio é o título de um livro do escritor norte-americano Norman Mailer. Um autor talentoso, e este título o mostra. Vivemos num mundo em que, queiramos ou não, precisamos dar, a nós mesmos, advertências, conselhos, diretrizes. Queiramos ou não, precisamos nos observar, e manter aquele diálogo interior que, no extremo, pode ser uma amarga ruminação, mas que, bem dosado, ajuda-nos a viver melhor com nossos semelhantes.
De todas as advertências que aprendi uma volta-me sempre à mente. É muito usada nos Estados Unidos, o que pode ou não ser uma recomendação: sim, é o país que inventou a CIA (e vejam este sombrio filme, O Bom Pastor, de Robert De Niro, para saber do que estou falando). Mas é também um país pragmático que costuma aprender com os próprios erros. Portanto, vale a pena pensar na frase, que é uma dupla negação: "Don't complain, don't explain".
Não te queixes, não te expliques. Na primeira parte a advertência até certo ponto surpreende. É possível viver sem se queixar? Como consultar um médico sem fazê-lo? No roteiro do exame do paciente, que recebíamos quando entrávamos no terceiro ano da faculdade de medicina, o primeiro item, logo depois da identificação da pessoa, era "queixa principal". Portanto, "queixa" era o que se esperava das pessoas.
Mas tudo depende do sentido que damos à palavra "queixa". Se é uma informação ("Doutor, estou com uma dor no peito"), tudo bem. Mas se se trata de uma acusação ("Estou chateado e o mundo não toma conhecimento") aí começamos a entrar no terreno do contraproducente. Na dúvida, portanto, não se queixe. Na dúvida, pense naquilo que você quer dizer como uma informação a seus semelhantes. Queixas existem demais no mundo. Precisamos mais conexões do que queixas.
Não te expliques. Esta segunda parte é ainda mais válida que a primeira, porque estamos sempre dando explicações: aos pais, aos filhos, aos cônjuges, aos chefes, aos clientes, aos amigos... Mas a vida tem de ser auto-explicativa. Aquilo que somos, aquilo que somos e aquilo que fazemos nos explica. "Parla!", disse Michelangelo golpeando o joelho da estátua de Moisés. Não precisava: a obra de arte fala por si. Nem todos somos artistas, mas podemos buscar na existência aquele grau de beleza, de justiça, de decência, de perfeição, que está ao nosso alcance. Ao fazê-lo, estamos nos explicando ao mundo. E chegaremos à realização máxima quando não precisarmos nos queixar, nem nos explicar, nem fazer advertências a nós mesmos.
Moacyr Scliar
Advertências a mim próprio é o título de um livro do escritor norte-americano Norman Mailer. Um autor talentoso, e este título o mostra. Vivemos num mundo em que, queiramos ou não, precisamos dar, a nós mesmos, advertências, conselhos, diretrizes. Queiramos ou não, precisamos nos observar, e manter aquele diálogo interior que, no extremo, pode ser uma amarga ruminação, mas que, bem dosado, ajuda-nos a viver melhor com nossos semelhantes.
De todas as advertências que aprendi uma volta-me sempre à mente. É muito usada nos Estados Unidos, o que pode ou não ser uma recomendação: sim, é o país que inventou a CIA (e vejam este sombrio filme, O Bom Pastor, de Robert De Niro, para saber do que estou falando). Mas é também um país pragmático que costuma aprender com os próprios erros. Portanto, vale a pena pensar na frase, que é uma dupla negação: "Don't complain, don't explain".
Não te queixes, não te expliques. Na primeira parte a advertência até certo ponto surpreende. É possível viver sem se queixar? Como consultar um médico sem fazê-lo? No roteiro do exame do paciente, que recebíamos quando entrávamos no terceiro ano da faculdade de medicina, o primeiro item, logo depois da identificação da pessoa, era "queixa principal". Portanto, "queixa" era o que se esperava das pessoas.
Mas tudo depende do sentido que damos à palavra "queixa". Se é uma informação ("Doutor, estou com uma dor no peito"), tudo bem. Mas se se trata de uma acusação ("Estou chateado e o mundo não toma conhecimento") aí começamos a entrar no terreno do contraproducente. Na dúvida, portanto, não se queixe. Na dúvida, pense naquilo que você quer dizer como uma informação a seus semelhantes. Queixas existem demais no mundo. Precisamos mais conexões do que queixas.
Não te expliques. Esta segunda parte é ainda mais válida que a primeira, porque estamos sempre dando explicações: aos pais, aos filhos, aos cônjuges, aos chefes, aos clientes, aos amigos... Mas a vida tem de ser auto-explicativa. Aquilo que somos, aquilo que somos e aquilo que fazemos nos explica. "Parla!", disse Michelangelo golpeando o joelho da estátua de Moisés. Não precisava: a obra de arte fala por si. Nem todos somos artistas, mas podemos buscar na existência aquele grau de beleza, de justiça, de decência, de perfeição, que está ao nosso alcance. Ao fazê-lo, estamos nos explicando ao mundo. E chegaremos à realização máxima quando não precisarmos nos queixar, nem nos explicar, nem fazer advertências a nós mesmos.