“Levai as cargas uns dos outros e, assim cumprireis a lei de Cristo”
(Gl 6.2-3)
Não adianta procurar na Bíblia argumentos para justificar seu isolamento: fé solitária não existe. Viver uma espiritualidade que afirma conhecer a Deus, esquecendo-se de quem vai ao seu lado ofende os céus. Buscar santidade afastando-se do próximo é correr atrás do vento.
Se por um lado Deus me pede para me esvaziar, e abandonar meu egocentrismo, por outro lado devo contrabalançar com o reconhecimento da importância de quem caminha comigo.
Entretanto, esse esvaziamento de si mesmo só pode ser esperado por quem aprendeu a conviver com suas próprias limitações e reconhece a carência que vai dentro de si.
Só quem supera a rejeição pode demonstrar verdadeira aceitação daquele que convive conosco, pois quem ainda não superou as rejeições sofridas no passado de alguma forma estará sempre brigando com os “fantasmas” de supostos agressores. Precisamos retornar a Deus, que nos cura, para que o nosso centro não esteja mais num ego rejeitado, mas em Deus. A partir daí, as incompreensões sobre a minha pessoa ou o que dizem ou pensam de mim já não adquire tanta importância. A comunhão com Deus, e a convicção de que se é amado por Ele, nos faz transbordar.
Sofrer uma dor sozinho é bem diferente da dor sofrida ao lado de alguém. Daí a importância da vida de comunhão da comunidade de fé. Às vezes nos faltam palavras, mas... não precisa falar nada, basta estar junto. Talvez o abraço seja a melhor representação de amor que alguém pode oferecer.
Foi assim com Labão, ao receber Jacó em sua casa: correu-lhe ao encontro, abraçou-o e beijou-o (Gn 29.13). O que dizer do filho pródigo, esfomeado, voltando pra casa, o seu pai o avista de longe, corre em sua direção, o abraça e beija (Lc 15.20)? Vemos Paulo descendo em direção a Êutico, que havia caído da janela, e foi dado como morto. E o que ele faz? Inclinando-se sobre ele, “abraçou-o”, devolvendo-lhe a vida (At 20.10). Como reagiu a igreja diante da partida de Paulo, em Mileto? Entristecidos, o abraçavam afetuosamente, e o beijavam (At 20.37).
Cumprir as amáveis palavras de Paulo para que levemos “as cargas uns dos outros” não é coisa fácil, pois vai contra o individualismo arraigado em nossas vidas, atrapalha o nosso comodismo, e nos torna responsáveis por mais alguém além de nós mesmos.
Alguém disse: “Viver no céu com os irmãos, ó que glória! Viver na Terra com eles, aí é outra história”. Desconfio, contudo, que quem não aprender a viver aqui, não está preparado para viver lá.
Conta-se que certa noite, em uma forte nevasca, um padre plantonista ouviu alguém bater na porta na sede da “Missão dos Órfãos” em Washington, DC. Ao abri-la ele se deparou com um menino coberto de neve, com poucas roupas, trazendo em suas costas, um outro menino mais novo. A fome estampada no rosto, o frio e a miséria dos dois comoveram o padre. O sacerdote mandou-os entrar e exclamou: Ele deve ser muito pesado. Ao que o que carregava disse: “Ele não pesa, ele é meu irmão”.
O que importa mesmo, é a reflexão que isso nos traz: “Ele não é pesado, ele é meu irmão”. Talvez devêssemos chorar nossa falta de paciência com nossos irmãos, talvez precisemos trocar nossos fardos pelo fardo que Jesus deseja para nós.
Um dia Jesus propôs uma troca para mim. Ele viu minha situação, meu cansaço, e disse-me: “venha até mim, você está cansado, deixe a sua carga aqui, junto à cruz, e pegue o meu fardo”. A principio relutei, mas como não tinha nada a perder, aceitei. Hoje, estou aprendendo a caminhar com o peso que Ele colocou sobre minha vida. Surpreendentemente, descobri que é mais leve que aquele que eu levava. Pesado é viver egoisticamente para si. Dureza é tentar satisfazer compulsivamente um ego insaciável. Problema é olhar com obsessão para o seu umbigo, preocupando-se com cada ruga, cada dorzinha que surge, com sua segurança, seu dinheiro, seu descanso... Não é de se admirar estarmos convivendo com o surgimento de tantos distúrbios da alma neste nosso tempo!
Troque o seu fardo também. O que Deus quer te dar não é pesado... é o seu irmão.
No amor dAquele que nos amou primeiro,
Rev. Ézio Martins de Lima