quinta-feira, julho 31, 2008

Sermão sobre Jó 12.7-16 - John Calvin


João Calvino[i]

Mas, pergunta agora às bestas, e elas te instruirão; e às aves dos céus, e elas te contarão; ou fala com a terra, e ela te instruirá; até os peixes dos mares te declararão.

Quem ignora, por todas estas coisas, que a mão do SENHOR fez isso? Em sua mão está a alma de todo ser vivo, e o espírito de todo homem carnal. Porventura o ouvido não experimenta as palavras, como o paladar experimenta as comidas? Com os idosos está a sabedoria, e na extensão dos dias o entendimento. Com ele está a sabedoria e o poder; ele possui conselho e entendimento. Eis que ele derruba, e ninguém há que reconstrua; aprisiona um homem, e ninguém há que o liberte. Eis que ele retém as águas, e elas secam; e envia-as, e elas devastam a terra. Com ele está a força e a sabedoria; seu é o enganado e o que engana.

Jó, para mostrar que nada havia senão pura ambição em tudo o que lhe disse Zofar, declara que conhece bem no que implica a providência de Deus governando todo o mundo, e que essa é uma doutrina por demais patente, que não precisava que outro fizesse um tão pomposo relato disso que queria expor. Pois são coisas conhecidas, diz ele. Vede que louca vaidade havia em Zofar quando creu ter mente notável ao exaltar daquela maneira a providência divina. Jó então mostra que tudo aquilo é assaz comum e vulgar: depois, revela que está surpreso por seus amigos não terem compreendido melhor as palavras que ele Jó lhes tinha antes dirigido.

De que vos serve, diz, possuir duas orelhas? Pois, se comeis ou bebeis, vosso paladar consegue discernir bem os alimentos, se há ou não sabor neles. Então, exatamente da mesma forma que o paladar é dado ao homem para provar o que esse come, também as orelhas o são para escutar as palavras. E parece que estais surdos, e que nada ouvistes. Esse é o segundo ponto. No terceiro, é dito que, caso se queira procurar a verdadeira instrução, não se deve prender-se aos homens nem às outras criaturas. É em Deus, diz, que está toda sabedoria: daí primeiramente ter lançado em rosto que esse não condescende em inquirir dos anciãos, pois não estima o passado. Vede, diz, se creio em vós, devo eu me considerar totalmente como um dos homens. Ora, a verdadeira sabedoria deles desvanecer-se-á: porém, deve-se antes vir a Deus, é lá que podemos procurar tudo que poderemos ter de apoio firme: sofreremos sempre abalos até sermos sábios ensinados em sua escola. E, além disso, conhecemos ainda que tudo o que nos for mostrado é nada para se apanhar dessa infinita sabedoria a qual ele se reserva. E que seja assim: ele destrói, e ninguém pode edificar: quando enclausura um homem e o tem cativo, ninguém o pode livrar.

Assim, pois, conhecemos que há uma sabedoria em Deus que nos é alta e secreta demais. Diz também Jó: a ele pertence aquele que engana e aquele que é enganado, como se dissesse: Deus enviará espírito de erro (que é uma coisa estranha e que achamos bem dura), ele vingar-se-á daqueles que deveriam evitar embuste, de tal modo que esses se tornarão estúpidos: e isto não advém sem a sua vontade. Ora, isso nos deixa confundidos: pois deve-se concluir que essa sabedoria é excessivamente sutil para se alcançar, tão altos são os grandes segredos dos decretos de Deus. E – diz aquele – para que não debatamos aqui em vão: Eu concordo com ela. Vemos agora a suma das palavras de Jó. Contudo, para receber boa instrução dessa passagem, notemos, em primeiro lugar, que Jó dá a entender que em todo o mundo, bem como em cada criatura, a glória divina reluz de tal forma que, se tivéssemos prudência tal como deveríamos ter, haveria doutrina bastante para nós. Então, por que somos brutos assim, não conhecendo o que é de Deus? É porque não consideramos o que nos está totalmente visível e patente. Alguém dirá como desculpa: Ó, eu não sou homem de letras, não estive na escola. Sim; mas deveria pelo menos aprender dos animais irracionais, da terra que não fala e dos peixes mudos; estes nos poderão ensinar sobre Deus: não tudo a respeito desse, mas dando alguma compreensão. Ora, é em conseqüência disso que somos de todo estúpidos: deve-se pois concluir que ele não recebe senão a nossa ingratidão, e que não nos dignamos a abrir os olhos para contemplar o que Deus nos revela. Essa é uma passagem mui digna de observação. E não é somente aqui que o Espírito Santo pronuncia que a glória de Deus se declara em toda parte: mas é dito (Sl 19.2) que os céus a relatam. Essa bela ordem que vemos entre o dia e a noite, as estrelas que vemos no céu e tudo o mais nos é como uma pintura viva da majestade de Deus. E de fato, conquanto as estrelas não falem, nem digam nada, todavia, elas gritam tão alto que não se precisará de outras testemunhas contra nós no último dia: visto não termos ouvido o que nos era ali mostrado. Isso, então, é o que devemos considerar, como também S. Paulo nos fala no primeiro capítulo de Romanos (v. 20), que Deus, sendo invisível em si e na sua essência, está assaz manifestado a suas criaturas, para que fiquemos inescusáveis — e, como é dito em Atos (14.17), ele não se deixou ficar sem testemunho, proclamando alto e claro por suas criaturas que todo bem procede dele. Ora, se Deus criou este mundo e todos bebem em sua mão e lhe estão sujeitos, não seria pois razoável, quando temos nossa vida dele e somos de todo morais, que lhe rendamos veneração (hommage)? E, se nós a rendemos, o que se deve fazer de tão longa acusação contra nós? Pois nossa malícia é por demais comum, já que temos negado a obediência devida ao nosso Criador: nós temos nos esforçado para nos livrar dele: e, em vez de o honrar, nós o menoscabamos por nossos vícios e por nossas corrupções.

Então, quando isso é de todo notório, não ficamos mais do que constrangidos?

Retenhamos bem, pois, isto que é dito aqui: a saber, que não há escusa de ignorância para os homens caso queiram alegar que não conheceram Deus e que tal era uma coisa elevada demais para eles. Por que não vão à escola das bestas? Pois elas lhes são doutores suficientes: não há asno nem boi que não nos possam ensinar que são de Deus.

As bestas foram criadas por si mesmas? Não se percebe bem isso? Ora, quando se diz que Deus tudo fez, não temos nós que considerar para que fim ele aplicou tudo para o nosso proveito? Não mostra isso que lhe estamos obrigados ainda mais? Que faz parte de tudo o que nos deu de cima todas as demais criaturas? Quando ele se mostra tão liberal para conosco, deve ele ter empregado suas riquezas para serem lançadas como que na lama? Não é razoável que valorizemos essa bondade que ele nos fez sentir?

Desse modo, pois, a comparação que estabelecemos entre nós e as bestas deve-nos bem conduzir a que Deus seja adorado e servido por nós segundo o discernimento do bem e do mal que gravou em nossas mentes. Mas, por nosso desleixo, estupidez e ingratidão, enterramos tudo de tal forma que se verá amiúde que mesmo as bestas possuem mais juízo e razão que nós. É verdade que quando é dito que as bestas nos ensinam, não é por seus exemplos, mas é porque ali temos a contemplar a glória de Deus. Resta (como já dissemos) que as próprias bestas nos mostrem qual é o nosso mister: elas cumprem melhor seu dever que nós: e aí somos duplamente condenados. E a isso também o profeta Isaías nos chama a atenção: um asno, diz ele (1.3) conhece o estábulo de seu proprietário e um boi conhece sua manjedoura: mas meu povo não me conhece. Nós dizemos que somos da Igreja de Deus e de sua casa, queremos mesmo ser mais adiantados. Ora, diz, que em sua Igreja ele se faça ouvir, que sua voz ressoe alta e claramente lá; apesar disso, nós não o conhecemos. E de onde vem isto de haver mais juízo e razão em um boi ou asno que nos homens mortais? Por que a nós foi dada a razão? Por que ainda somos ensinados sobre a sua palavra e a sua vontade? Não é isso perverter demasiadamente a bondade divina? Vemos então que, quando os homens forem frouxos ao se desincumbirem de seu dever para com Deus, poderão ser redargüidos pelo exemplo das bestas: e isso (como eu disse) nos torna duplamente confundidos. Porém, nessa passagem Jó interpretou que o sermos instruídos o bastante pelas criaturas é algo que nos deve levar a honrar a Deus. E através do quê? Somente abrindo os olhos, diz ele. Não temos que ser letrados nem ter uma grande mente. Pois não podemos lançar a vista para cima ou para baixo sem que Deus não se apresente de todos os lados. De que maneira? Ele disse que sua glória é visível por toda parte. E a glória de Deus, em que consiste ela? Em sua virtude, em sua bondade, bem como em sua sabedoria e justiça.

Vemos que Deus dispôs o mundo melhor que qualquer um. Eis uma sabedoria admirável que nos deve arrebatar: há uma virtude infinita no que Deus mantém, conservando o que fez, a tudo sustentando em seu estado, ainda que pareça algo impossível. Eis então como devemos adorar a Deus em seu poder. Há também a sua bondade. Pois por que fez ele o mundo? Por que o encheu de tantas riquezas? Por que o adornou assim? Não é para declarar o seu amor para com os homens e mesmo sua misericórdia? Como se diz nos Salmos, essa se estende até às bestas inconscientes. E o que será de nós então, que lhe somos muito mais próximos, sobre os quais pôs nobreza maior e incomparável? Essa, pois, é a bondade de Deus que se mostra e declara: vemos sua justiça, como ele vela por suas criaturas, tendo desvelo por nós: no entanto, vemos também, por outro lado, seus juízos, vemos que governa o mundo de um modo tão admirável que, embora os maus não façam senão murmurar, devem esses, todavia, permanecer confundidos a respeito disso. Aprendamos então a melhor aplicar nosso estudo na contemplação das obras de Deus: quando o sol brilha, saibamos que Deus dá tal claridade, a fim de, ao contemplar o céu, a terra e tudo o que neles está contido, sejamos conduzidos a ele, dando-lhe reconhecimento pelos bens que ele nos aumenta, que nada nos impeça que esses sejam por nós bem notados e distinguidos. Eis o que Deus quer que compreendamos que ele é: não que possamos ir até ao fundo dessa sabedoria (pois é um abismo excessivamente profundo) mas, naquilo que esteja em consonância com nossa medida, devemos ser diligentes e nos esforçarmos para que sejamos bons alunos de Deus. Caso contrário, no último dia não deverá haver senão esta vergonha contra nós: a de não termos compreendido o que as bestas e as criaturas mudas e insensíveis nos mostraram. Os anjos do paraíso estão unidos para declarar a vontade de Deus: ela nos foi testificada pelos Profetas e pelos Apóstolos, e mesmo por nosso Senhor Jesus Cristo. Se não aproveitarmos isso, qual a desculpa? Mas, mesmo quando somos privados das Escrituras Sagradas, sem termos doutrina alguma, o que as bestas nos mostram é o bastante para nos condenar e nos deixar inescusáveis. Então, a fim de que não sejamos censurados por isto no último dia – que quisemos fechar os olhos à nossa consciência, quando Deus nos quis atrair a si, tornando-se familiar a nós para que o conhecêssemos –, que pensemos melhor naquilo que fizemos antes aqui: e que sigamos essa admoestação de Jó: Interrogue a besta, e ela responder-te-á, falai à terra, e ela mostrar-te-á, os pássaros do céu responder-te-ão, os peixes do mar saberão dizê-lo, por mais mudos que sejam. Quanto a essa passagem, é isso.

Vamos agora ao segundo ponto que Jó introduz aqui: O paladar prova o sabor das comidas e a orelha, as palavras, diz ele. Com isso, repreende seus amigos por terem deixado passar tudo o que ele havia dito antes, por eles jamais se terem dignado a refletir, e que se dirigia como que a surdos. Jó então os acusa de uma semelhante preguiça: mas é para nós todos isso que fala. Sendo assim, consideremos o quanto temos o paladar aguçado para discernir os alimentos; todos bem saberão dizer: isto não está bom, não me apetece. E não somente temos bastante sutileza no paladar, mas em todos os nossos outros sentidos: pois, se virmos algo que nos seja deleitável, nossos olhos o atentarão: sim, temos que ir correndo, sem poupar braços ou pernas. Enfim, o homem, em tudo o que lhe é próprio à sua carne e ao contentamento de sua louca cupidez fica bastante e até demasiadamente aguçado. Mas quando se trata de julgar alguma doutrina, a qual é para a nossa saúde, da qual devemos receber edificação, aí somos estúpidos, de tal modo que parece que somos tronos de madeira. E de onde procede sermos tão lerdos, senão de não aplicarmos nisso todo nosso juízo, como requerido? Mais ainda, nossas orelhas demonstram não terem medida igual: se divisam algumas loucuras, ou mesmo algumas más palavras, as quais são como veneno para nos infectar (como fala São Paulo em 1 Co 15.33), a isso voltamos as nossas orelhas: não nos é preciso dizer uma palavra duas vezes para a compreensão imediata. Pois nós vamos como esfomeados, de tal forma que não conseguimos nos fartar de coisas vãs e cardápios inúteis, a saber, de coisas nocivas e más. Eis, pois, até onde o homem se precipita de todo. Entretanto, se Deus nos propõe o que é bom para a nossa edificação, aí ficamos como é dito pelo Profeta Isaías: Que se repita uma coisa para nós três vezes, mesmo demoradamente, mas nós não a compreendemos. Porque o Profeta Isaías (28.9,10) compara os que são lerdos e brutos assim (porque Deus os priva de juízo e de razão pela malícia) a pequenos infantes aos quais se diz a e então, quando se lhes a diz quatro ou cinco vezes, para que lhes fique bem gravado, bem dirão a: porém, quando se pergunta a elas que letra é, não sabem mais nada. Depois vem o b. Enquanto se lhes pronuncia a letra, dirão b uma vez; mas, caso se pergunte a elas logo depois, esqueceram-no depressa. O Profeta Isaías diz que precisa repetir dessa maneira as coisas aos que não fizeram progressos na escola de Deus, que devia falar detidamente cada palavra e cada sílaba para eles: contudo, ainda não sabiam nada, pois nunca aquilo entrava em seus cérebros: assim somos nós.

Reparemos bem, então, que o Espírito Santo, pela boca de Jó, não acusou aqui somente três homens, mas ele nos condena a todos, por sermos tão atentos a ouvir as coisas que nos são convenientes à nossa vida corporal, sem que precisemos ter estado na escola, pois somos sábios. Pois cada um é mestre e doutor no que concerne ao seu prazer e ao seu proveito. E, se bem me convém, bem me agrada, concluímos de imediato. Não é preciso aí empregar longas admoestações, muito menos demoradas advertências. Pois nos prevenimos, somos rápidos, não há nada mais ágil do que o nosso entendimento quando se trata de o aplicar às coisas frívolas. Mas, quando se trata da doutrina de Deus, somos piores que as bestas. E de onde procede aquilo? O paladar julga os alimentos; e a doutrina de Deus não tem nenhum sabor para nós: nós não a apreciamos, de modo que não podemos discernir entre a verdade e a mentira. Notemos bem então que no último dia não se precisará senão deste ponto para deixar envergonhado todo o gênero humano: é que, por termos estado tão dados às coisas deste mundo, não devotamos tempo livre para escutar o que seria para a saúde eterna da alma, sendo totalmente estúpidos aqui, em virtude de nossos espíritos estarem envolvidos, seja com as riquezas, seja com as delícias ou outras vaidades ou afeições más. Eis um homem que cobiça os bens deste mundo. O que ele faz? Não é enganado em dinheiro, tudo está sempre segundo suas contas, aqui e ali, nada lhe escapa à atenção: “Eu poderia tirar proveito disso”; e seu espírito vagueia: ele empreende, ele faz seus discursos. E de onde vem uma tal perspicácia? É que a afeição conduz o homem e o arrebata de tal modo que não sabe onde está. Da mesma maneira, vemos os que se esforçam para conseguir alguma coisa e se sobressaírem, de se darem importância e dignidade, bem como os que juntam todos os meios que lhe são possíveis para progredir: têm esses seus argumentos para acumularem de um lado e de outro. Também os libertinos, que são arrebatados por uma cupidez brutal, ou os bêbedos, que são como os porcos, em seus paladares provam como podem se esforçar pelas suas maldades. Então, por que não temos nenhum senso, afastando-nos de Deus? Não é porque não nos dignamos (como eu já disse) a utilizar o que Deus nos havia dado? Ora, há aqui ainda uma outra acusação contra os homens: é que vemos hoje muitos que pensam ter um belo subterfúgio para nada conhecerem de Deus, e para calcar sob os pés toda doutrina, dizendo: “Ó, eis que não posso discernir, eu poderia me iludir debaixo da sombra de Deus e da religião, vale mais então eu nada conhecer sobre isso”. Verdade? Mas que ingratidão é essa? Deus nos deu as orelhas para o escutar em total obediência; e diremos: “Ó, quanto a mim, não quero me informar”? É como se dissesse: “Eu não quero comer”; pois há más comidas: eu poderia dar a mim mesmo uma erva maléfica, e ficaria envenenado: vale mais então eu não comer. Se um homem fosse tão tolo a ponto de chegar ele próprio a uma semelhante conclusão, não seria digno de morte? Eis como agem os que dizem: “Não quero conhecer as Sagradas Escrituras, pois poderia ser enganado”. E isto é a pastagem de tua alma, pobre criatura: nosso Senhor nutre os corpos de bebida e de mantimento, e as almas, pela sua palavra: entretanto, queremos rejeitar tal comida, por medo de alguma corrupção: e isso não é manifestamente tentar a Deus? E (como eu disse) qual a razão de as orelhas nos serem dadas, senão para ouvir, escutar e receber o que Deus nos disser? É verdade que, de nós mesmos, não somos capazes de fazê-lo, a menos que Deus nos esclareça: mas que venhamos sim com total humildade para ouvir o que se nos é exposto no nome de Deus, que lhe peçamos que nos governe por seu Espírito Santo, a fim de que não sejamos enganados pela mentira: ele mostrará que não criou debalde as orelhas, e que elas são para escutarmos, recebendo o que ele nos expõe em temor e reverência totais. Eis então o que temos que observar nessa passagem. E assim, resumindo, o Espírito Santo nos exorta a escutar a Deus quando esse falar a nós, a sermos diligentes para receber a sã doutrina, sem duvidar que ele a faça valer em nós quando tivermos as orelhas direcionadas e bem dispostas a escutar o que diz a nós.

Agora vamos ao que Jó acrescenta: A sabedoria está com os anciãos, a idade traz prudência: é nele que há sabedoria, que há prudência, que há conselho, que há força. Ele faz comparação entre Deus e os homens. Pois Jó foi acusado acima de não atentar para o tempo passado, de não levar em conta as coisas de antanho, de não reter mesmo o que tinha sido ensinado por aqueles que haviam vivido muito tempo no mundo. E sobre isso ele diz: Verdade, há sabedoria nos idosos. Deveras isto poderia ser disparate, vós me citares os anciãos e os velhos, para que me apóie neles: e Deus, o que se torna? Deus então deverá ficar privado de sua honra, a fim de que os homens o substituam. Porém, Jó concorda aqui que bem pode haver alguma sabedoria nos homens, contanto que não se exaltem nela além da medida: como se dissesse: É verdade que, se um homem viveu aqui por muito tempo, tendo vivido bastante, poderá ele adquirir alguma prudência: mas isso deve derrogar Deus? Não, em hipótese alguma, nada mais é que vaidade total a sabedoria dos homens, por mais que tenha esse mérito em si. Pois, caso se compare os homens com Deus, tudo o que eles têm deve ser rebaixado, e que só Deus seja então reputado sábio, sabendo que não há sabedoria que não nele. Essa é a intenção de Jó.

Ora, temos a colher dessa passagem uma boa e mui útil lição. Em primeiro lugar, é verdade que nós não devemos menosprezar a prudência que há nos homens, os quais Deus nos envia com auxílios. Se há gente que tem vivido muito, Deus nos quer instruir através delas: e, se não condescendemos em tirar proveito do que nos é ensinado, a quem insultamos? Ao Deus vivente. Além disso, quando Deus tiver dado um bom espírito a um homem, dando-lhe mesmo conselho e prudência, bem como capacidade e graça para instruir a outros, se não se der atenção a isso, repelindo de todo, certamente o Espírito Santo é como que pisado aos pés. Pois o homem que nos pode instruir não recebeu isso de si nem de sua terra (creu): foi-lhe dado do alto, para que sejamos auxiliados. Porque, quando Deus distribui suas graças, não é para que alguém as retenha para si, sem comunicá-las aos outros: porém, é para a edificação comum de todos.

Quando então estivermos tão arrogantes a ponto de não consentirmos com que os que têm boa doutrina nos instruam, nem que os que possuem bom conselho nos guiem, apagamos aí a luz de Deus, rechaçando o bem que ele nos queria fazer. Devemos pois, quando houver homens para nos ensinar, escutá-los voluntariamente, tornando a nós mesmos dóceis, possuindo um espírito indulgente, não sendo intratáveis, como nos vemos na maior parte. Daí que não se deve receber isso com total indiferença. E por quê? Nós vemos como o pobre mundo hoje está cego em sua crença, dizendo: Qual o modo de viver que se tem desde toda a antigüidade? Quanto tempo há que se o mantém? Isso aqui não esteve em uso por tão longo tempo? E sobre isso as pobres gentes se metem em perdição, embora Deus estivesse prestes a conduzir ao reto caminho: como vemos que sua palavra nos é pregada a fim de que ela tenha sobre nós toda autoridade, que não sejamos levados ao embuste, como S. Paulo fala em Efésios 4.14, que os homens não nos seduzam para o lugar deles, mas que Deus nos governe, e que sejamos sábios em lhe obedecer.

Este então é o auxílio que temos que obter: quando tivermos recebido dos homens o que eles nos podem trazer como ministros de Deus e como instrumentos de seu santo Espírito, que saibamos, todavia, que ele deve ter toda a preeminência sobre nós: que é dele que procede toda a sabedoria, que não mudemos pela consideração dos homens, para sermos agitados de forma todo súbita. Contudo, que sejamos confirmados plenamente nesta certeza: que é dele que temos a doutrina. Para melhor compreender isso, devemos notar que há dois extremos. Pois que descobrimos desajuizados que menosprezam tudo o que Deus tem dado de graças aos homens: e os mais ignorantes são os mais presunçosos nesse respeito, e isso é comum demais, de tal forma que se gloriam de sua parvoíce. Eis um homem que nunca conheceu nada: ora, ele parece a si próprio que tem ainda mais ocasião de se estimar. E vemos que há hoje os que pegam as passagens escriturísticas para se alçarem ao maior orgulho. É dito isto: Que Deus esconde seus segredos aos sábios e grandes do mundo e revela-os aos piedosos, revela-os aos pequenos, havendo aí os que são pobres bestas. Ora, eles se gloriam nisso como se não houvesse teologia que não para eles. Mas por quê? Deus quis que os homens se elevassem em sua pequenez, para menosprezar os dons que são dele e que merecem ser aprovados? De onde vêm todas as ciências? De onde vem também esse discernimento que é maior em um homem do que no outro? É bem certo que não vem de maneira igual dos ribeiros que correm desta fonte, a saber, o Espírito de Deus. Aprendamos então, por isso, a não menoscabar as graças divinas quando elas aparecerem nos homens: mas tornemo-las em nosso benefício, e as apliquemos ao nosso uso. Pois, se sem discernir rejeitamos tudo o que é dos homens, tal é uma estupidez demasiadamente grande. Diz-se: O tolo julga dando sentença breve: e, quando julgamos sem nada conhecer nem discernir, não somos duplamente tolos? E toda hora descobrimos muitos dos tais: ei-los alegando que coisa tal foi examinada e observada, e que têm razão, ou, já que aquela veio dos homens, eu a rejeito. Verdade. Porém, sabes tu se ela antes proveio de Deus por intermédio dos homens? Então não devemos, quando se nos apresenta alguma doutrina, ser tão bruscos e precipitados para a rejeitar, mas que a discernamos. Essa, pois, é uma modéstia que temos que observar para evitar esse extremismo de que falei.

Ora, há também o outro extremo em que desejo tocar: a saber, o que vemos nos papistas. Eis que quero agarrar-me ao que me foi mostrado desde a infância, quero seguir meus pais e meus ancestrais, isso é antigo. Entretanto, e Deus, perde a sua autoridade? Os homens devem ser elevados até o ponto em que Deus seja posto debaixo dos pés deles? Não seria melhor querer arrancar do céu o sol para o colocar no mais profundo do mar? Pois essa é uma grandíssima e mui enorme confusão. Guardemo-nos bem, então, de fazer tal ultraje a Deus, apoiando-nos totalmente nos homens para o deixar para trás. Pois temos que receber o que provém dos homens e o que Deus nos dá por meio deles de modo tal que ele sempre permaneça em sua inteireza, que seja exaltado, e que grandes e pequenos sejam ensinados dele, e que solenemente prometamos que o sermos dóceis para com os homens não é para derrogar a Deus em nada, nem ao senhorio sobre nós que vem de cima: mas é para que sejamos conduzidos a ele e todas as bocas se fechem quando ele fala. Que silenciemos diante dele, e que não seja ele impedido de nos dirigir para onde quiser: que recebamos sem contestar tudo o que for procedente de sua boca. Essa é, pois, a modéstia que deve existir em nós. E por isso se vê a tolice do Papado em dizer: Ó, eis que a humildade é uma virtude tão grande que jamais pode ser condenada por Deus. Sim: mas qual é a humildade dos papistas? É a de sujeitar-se aos homens e rejeitar o jugo divino, vendo-o e desprezando em tudo e por tudo. E que humildade diabólica é essa? Que as criaturas sejam elevadas, que a elas se obedeça: mas que o Criador jamais o seja? Aprendamos então a nos humilhar de tal forma que, para ter essa benignidade para com os homens, sejamos de um espírito dócil a fim de receber o que nos é bom e útil. Todavia, que Deus domine do alto a todos e que seja único mestre e doutor, de tal modo que a autoridade que dá aos homens não o derrogue em nada. Que não sejamos absorvidos por alguma fantasia, dizendo: Ó, esse ali disse, deve-se então conservar assim. Mas e esse aí, quem é? Não é um homem mortal? Não é ele uma criatura frágil em que nada há que não vaidade? Sendo assim, guardemo-nos de nos apoiar aos homens de maneira tal que não voltemos sempre a Deus, que não estejamos fundados nele, e que a certeza de nossa fé não esteja juntada e unida à sua palavra: eis o que temos que observar. É nele, então, que há sabedoria e prudência, bem como espírito e conselho. Quando se diz, é nele, é para excluir tudo o que seja dos homens. Pois, quando o sol ilumina, obscurece a claridade das estrelas: e o que poderá o os homens quando Deus vier perante eles? Por isso é dito pelo Profeta Isaías (24.23) que, quando Deus brilha, todas as criaturas devem parar. E Jó, especialmente, quis reiterar aqui por várias palavras, que há uma perfeição de toda sabedoria em Deus, para que não deduzamos que ele falhe em supri-la, como vemos os homens sendo tão tolos que, se recebem de Deus alguma bênção, devem acrescentar, devem misturar alguma coisa nela. Não, não, não é questão aqui de remendar ou de consertar grosseiramente. Quando Deus afirma sua sabedoria, ela tem que ser pura e simples, e os homens não devem acrescentar a ela nada que seja. Porém, Jó ainda quis passar mais uma outra coisa, na qual tocamos: é que há uma sabedoria em Deus, secreta, que supera todo espírito humano, a qual não podemos ainda chegar. É verdade sim que Deus não é sábio de um modo e sábio de outro (pois é uma coisa inseparável, e que não se pode dividir nem partir, a sabedoria divina); mas é igualmente verdade que Deus é sábio em dois sentidos, ou seja, podemos dizer que há duas espécies da sabedoria divina, do nosso ponto de vista. E como é isso? Há essa sabedoria contida na palavra dele, a qual ele nos comunica de tal maneira que nos tornamos sábios quando recebemos a instrução que ele nos dá. Essa, pois, é a sabedoria de Deus, a qual ele comunica às criaturas: e há então esta sabedoria que ele retém em si. E o que é essa?

Essa é o conselho admirável pelo qual ele de cima governa o mundo, tudo o que concebemos. Eis Deus, que dispõe as coisas que achamos bem confusas para os nossos sentidos. Quando os tiranos dominam, como será falado depois, que há perversos que seduzem a gente pobre, que conduzem as almas à perdição, enquanto os outros são salvos, tudo isso se dá pelo admirável conselho de Deus. Ora, se inquirirmos sobre qual a razão de tudo isso, ver-nos-emos em um tal abismo que todos os nossos sentidos serão tragados. Eis então uma sabedoria que Deus retém para si, a qual ele não comunica aos homens: de modo que também é impossível de a ela se chegar. Desse modo, pois, quando tivermos sido ensinados na escola de Deus, seremos sábios em aprender conforme nossa medida e porção o que tiver ele se aprazado em nos ensinar por sua palavra: saibamos que há ainda segredos naquele que devemos adorar, porque não podemos ter conhecimento disso, e nos é impossível subir tão alto. Eis como, em dois tipos, devemos considerar a sabedoria de Deus. Isso é também o que Jó quis dizer, conforme a dedução mais ampla que fará depois: mas, porque o tempo não o permite, reservaremos o restante para amanhã.

Agora nós nos prostraremos diante da face de nosso bom Deus...



[i] Um dos principais nomes da Reforma Protestante, João Calvino (1509-1564) nasceu em Noyon (França). Tendo em comum com o alemão Martinho Lutero o fato de também ter sido seminarista na juventude, deu prosseguimento à obra desse, ensinando a doutrina e a aplicação da justificação pela fé somente em Cristo, como revelada nas Escrituras Sagradas, empenhando-se em aplicar o ensino bíblico a todas as áreas da vida; não obstante, o sistema teológico chamado calvinismo é mais estruturado que o luteranismo. Calvino estabeleceu-se em Genebra (Suíça), já que na França do rei Francisco I não eram tolerados não-católicos. A igreja que ele pastoreava ali veio a se tornar um centro da Reforma, a ponto de John Knox dizer que ela foi “a mais perfeita escola de Cristo desde os dias dos apóstolos”. Os Sermões sobre Jó, os Comentários da Bíblia e as Institutas constituem o grande monumento do seu pensamento teológico. (N. do T.)

terça-feira, julho 29, 2008

PIEDADE É O REQUISITO PARA SE CONHECER A DEUS - John Calvin

João Calvino (Institutas Livro 1, Cap. II)

Portanto, de fato entendo como conhecimento de Deus aquele em virtude do qual não apenas concebemos que Deus existe, mas ainda apreendemos o que nos importa dele conhecer, o que lhe é relevante à glória, enfim, o que é proveitoso saber a seu respeito. Ora, falando com propriedade, nem diremos que Deus é conhecido onde nenhuma religiosidade há, nem piedade. E aqui ainda não abordo essa modalidade de conhecimento pela qual os homens, em si perdidos e malditos, apreendem a Deus como Redentor, em Cristo, o Mediador. Ao contrário, estou falando apenas desse conhecimento primário e singelo, a que nos conduziria a própria ordem da natureza, se Adão se conservasse íntegro.

Ora, se bem que nesta ruinosa situação do gênero humano já ninguém sentirá a Deus, seja como Pai, seja como autor da salvação, seja como de qualquer maneira propício, até que Cristo se interponha como agente mediador para apaziguá-lo em relação a nós, todavia uma coisa é sentirmos que Deus, como nosso Criador, nos sustenta com seu poder, nos governa em sua providência, nos provê em sua bondade e nos cumula de toda sorte de bênçãos; outra, porém, é abraçarmos a graça da reconciliação que nos é proposta em Cristo.

Portanto, uma vez que o Senhor se mostra, em primeiro lugar, tanto na estrutura do mundo, quanto no ensino geral da Escritura, simplesmente como Criador, e então na face de Cristo [2Co 4.6] como Redentor, daí emerge dele duplo conhecimento, de que se nos impõe tratar agora do primeiro. O outro se seguirá, na devida ordem.

Mas, embora nossa mente não possa apreender a Deus sem que lhe renda alguma expressão cultual, não bastará, contudo, simplesmente sustentar que ele é um e único, a quem importa ser de todos cultuado e adorado, se não estamos também persuadidos de que ele é a fonte de todo bem, para que nada busquemos de outra parte senão nele.

Eu o recebo nestes termos: não só que uma vez ele criou este mundo, e de tal forma o sustém por seu imenso poder; o regula por sua sabedoria; o preserva por sua bondade; rege com sua justiça e eqüidade especialmente ao gênero humano; suporta-o em sua misericórdia; guarda-o em sua proteção; mas, ainda que em parte alguma se achará uma gota ou de sabedoria e de luz, ou de justiça, ou de poder, ou de retidão, ou de genuína verdade, que dele não emane e de que não seja ele próprio a causa; de sorte que aprendamos a realmente dele esperar e nele buscar todas essas coisas; e, após recebidas, a atribuir-lhas com ação de graças.

Ora, este senso dos poderes de Deus nos é mestre idôneo da piedade, da qualnasce a religião. Chamo piedade à reverência associada com o amor de Deus que nos faculta o conhecimento de seus benefícios. Pois, até que os homens sintam que tudo devem a Deus, que são assistidos por seu paternal cuidado, que é ele o autor de todas as coisas boas, daí nada se deve buscar fora dele, jamais se lhe sujeitarão em obediência voluntária. Mais ainda: a não ser que ponham nele sua plena felicidade, verdadeiramente e de coração nunca se lhe renderão por inteiro.

domingo, julho 27, 2008

O Verdadeiro Conhecimento de Deus está na Bíblia. John Calvin


As Institutas da Religião Cristã - Livro I, Capítulo 6

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Para que Alguém Possa Chegar a Deus, O Criador,
É Necessário Que Tenha A Escritura Por Guia e Mestra.

O Verdadeiro Conhecimento de Deus está na Bíblia.

Portanto, se bem que o fulgor que se projeta aos olhos de todos, no céu e na terra, retire totalmente toda base para a ingratidão dos homens - e ainda que Deus, para envolver o gênero humano na mesma culpa, mostre a todos esboçada nas criaturas, sua Divina Majestade -, é necessário, contudo, além disso, acrescentar outro recurso melhor, que nos dirija retamente ao próprio Criador do universo. Por isso, não foi em vão que Deus acrescentou a luz de Sua Palavra para fazer-Se conhecido para a salvação do homem. E considerou dignos deste privilégio a todos aqueles aos quais quis trazer, para perto de Si, mais aproximada e intimamente.

Ora, porque Deus via a mente de todos ser arrastada, de um lado para outro, por constante e imutável agitação - depois de escolher os judeus para Si, como povo especial -, cercou-os por todos os lados, para que não se extraviassem com os demais povos. E não é em vão que ele nos mantém, por meio do mesmo remédio, no puro conhecimento de Si próprio, porque, de outra forma, se desfariam bem rapidamente até mesmo os que parecem mais firmes do que os outros. É exatamente como acontece com pessoas idosas ou enfermas dos olhos, e a todos quantos sofre de visão embaraçada: se pusermos diante delas até mesmo um volume vistoso, ainda que reconheçam estar ali algo escrito, mal poderão, contudo, ajuntar duas palavras. Ajudadas, porém, com o auxílio de óculos, essas pessoas começarão a ler de maneira eficiente. Assim a Escritura, reunindo na nossa mente, o conhecimento de Deus - que, de outro modo, seria confuso fazendo desaparecer a escuridão -, mostra-nos, com clareza transparente, o Deus Verdadeiro.

Constitui, pois uma dádiva singular o fato de Deus - para instruir a igreja -, servir-Se não apenas de mestres mudos, mas, ainda, abrir sua boca sacrossanta para não simplesmente proclamar que se deve adorar a Deus, mas também, ao mesmo tempo, declarar que Ele é esse Deus a quem devemos adorar. E não ensina Ele meramente aos eleitos que devem obedecer a Deus, mas mostra-Se como Aquele a Quem eles devem obedecer. Este modo de agir Deus tem mantido para com sua igreja, desde o princípio, de modo que, afora essas evidências comuns, Ele aplicasse também a palavra que é a marca direta e segura para reconhecê-LO.

Nem é para se duvidar de que Adão, Noé, Abraão e os demais patriarcas - em função deste recurso - tenham conseguido mais íntimo conhecimento de Deus, fato que, de certo modo, os destingue dos incrédulos. Não estou falando ainda da doutrina da fé, pela qual eles haviam sido iluminados para a esperança da vida eterna. Ora, para que pudessem eles passar, da morte para a vida, foi necessário que eles conhecessem a Deus não apenas como Criador, mas também como Redentor, pois eles chegaram a conhecer a Deus desses dois modos, seguramente, através da Palavra.

Ora, pela ordem, veio primeiro aquela modalidade de conhecimento mediante o qual lhes foi dado compreender quem é Deus, por meio de Quem o mundo foi criado e é governado. Em seguida, acrescentou-se, depois, a outra modalidade de conhecimento, interior, porque só esse conhecimento vivifica as almas mortas e só por ele se conhece a Deus não apenas como Criador do universo, Autor e Árbitro único de todas as coisas que existem, mas também na Pessoa do Mediador, como Redentor. Contudo, porque não tratei ainda da queda do mundo e da corrupção da natureza, não apresento ainda, aqui, o remédio.

Devem lembrar-se, portanto, os leitores de que não farei ainda considerações a respeito do pacto, mediante o qual Deus adotou, para Si, os filhos de Abraão, mas tratarei ainda daquela parte da doutrina pela qual os fiéis sempre foram apropriadamente separados das pessoas profanas, por aquela doutrina se fundamenta em Cristo (e, por isso, deve ser abordada na seção Cristológica); Agora, entretanto, só focalizarei como se deve aprender, da Escritura, que Deus como Criador, se distingue - por meio de marcas seguras - de toda a inventada multidão de deuses. Oportunamente depois, a própria seqüência dos fatos conduzirá ao estudo da redenção. Embora devamos derivar muitos testemunhos do Novo Testamento, e outros testemunhos da lei e dos profetas - onde se faz clara referência a Cristo -, sabemos que todos estes testemunhos visam mostrar que Deus, o Artífice do universo, se torna patente na Escritura e nela também se ensina o que devemos pensar a respeito de Deus, para que não busquemos, por caminhos tortuosos, alguma divindade incerta.