sábado, setembro 29, 2007

O PERDÃO QUE VENCE A CULPA

“Agora, pois, já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo“. (Romanos 8.1)

No seu importantíssimo livro “Culpa e Graça”, o Dr. Paul Tournier escreveu: “Parece bastante claro que o homem não vive sem culpa. Ela é universal. Mas ela desencadeia, pouco a pouco, quer seja reprimida ou reconhecida, dois mecanismos inversos: quando reprimida, ela dá lugar à cólera, à revolta, ao medo e à angústia, a uma insensibilidade da consciência, a uma impossibilidade crescente de reconhecer as próprias faltas e a uma exaltação crescente de impulsos agressivos. Quando reconhecida conscientemente, ela conduz ao arrependimento, à paz e à segurança do perdão de Deus, a um refinamento progressivo da consciência e a um enfraquecimento progressivo dos impulsos agressivos”. [1]
O sentimento de culpa atormenta-nos a todos, quer sejamos ricos ou pobres, religiosos ou não. A maneira humana de lidar com a culpa é a expiação. Os estudiosos da “psiquê” humana asseveram que muitas doenças físicas e psíquicas, acidentes e frustrações na vida pessoal e profissional são tentativas de auto-expiação; isto é, uma forma de punição que o sofredor administra a si mesmo com o propósito de “saldar a dívida” advinda da culpa.
O moralista usa a sua religiosidade, ou código moral, a fim de reprimir a culpa. Contudo, reprimir, esconder, projetar ou negar a culpa, não resolve os tormentos pelos quais sofre a mente culpada. O que se sente “pecador” e “miseravelmente e desgraçadamente” culpado, por sua vez, busca livrar-se da culpa mediante a expressão pública das suas faltas. Quase sempre, contudo, este mecanismo revela-se como uma falsa humildade ou pseudo-arrependimento, haja vista que a autocomiseração também é uma tentativa de auto-expiação.
O caminho para a solução do problema da culpa é simples! No Evangelho de Jesus Cristo, aliás, tudo é demasiadamente simples! O início da caminhada depende, contudo, da decisão humana de romper com seus mecanismos de defesa e de auto-expiação e assumir a responsabilidade pessoal pelas faltas cometidas, transgressões, erros e delitos.
Reconhecer a culpa e a insuficiência dos nossos esforços de auto-expiação é fundamental, mas não é suficiente. A Palavra de Deus ensina-nos que “Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda a nossa injustiça” (I João 1.9). Confessar, contudo, não é simplesmente fazer um relato das faltas, como se Deus precisasse ser informado sobre nossos atos. Afinal, Ele conhece todas as coisas (Hebreus 4.13). Confessar é acima de tudo concordar com Deus no fato de que meus erros transgridem a Sua vontade, reconhecer que sou merecedor da condenação, crer que Jesus Cristo se fez condenação em meu lugar, efetuando o pagamento da minha dívida ao levar sobre si a minha culpa, e decidir voluntariamente e prazerosamente cumprir a Sua vontade.
Não existe confissão verdadeira sem arrependimento verdadeiro. Arrependimento é o reconhecimento da culpa. É despojar-me das máscaras e das sutilezas auto-expiatórias da repressão e autocomiseração e crer na obra propiciatória de Cristo. O senso de culpa que nos leva a Deus nos revela, assim, o seu amor e o seu perdão. A confissão, fruto de sincero arrependimento, traz-nos o perdão de Deus; este, por sua vez, vence a culpa e nos traz a paz! “Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo”. (Romanos 5.1)
Por isso o apóstolo Paulo, depois ter exclamado o desespero causado pela culpa (Romanos 7.21-24), escreveu: “Agora, pois, já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo“. (Romanos 8.1)
Não obstante a obra de Deus ser perfeita, o que fora perdoado pode reter na memória a culpa pelos seus erros e fracassos! Ainda que perdoado, o cristão pode viver continuamente acuado pelas lembranças de seus erros, penalizando-se e sofrendo os danos da auto-acusação. A fé em Cristo, contudo, não apenas nos livra da condenação, mas também da acusação. “(...) se o nosso coração nos acusar, certamente Deus é maior do que o nosso coração” (I João 3.20); e ainda: “Pois, para com suas iniqüidades, usarei misericórdia e dos seus pecados jamais me lembrarei” (Hebreus 8.12).
“É franca a porta divinal/Aberta a todo mundo.
Por ela, o pecador mortal,/Avista amor profundo.

Oh, graça imensa, pois, assim,
A porta é franca mesmo a mim!

Entrai: Jesus vos dá perdão,/As culpas redimindo.
Entrai, buscando a salvação,/Ó pecador bem-vindo!
(Sarah P. Kalley - Salmos e Hinos, 283)

Rev. Ézio Martins de Lima


[1] TOURNIER, Paul. Culpa e graça. São Paulo, ABU, 1985, p. 176.

quinta-feira, setembro 27, 2007

Desafios contemporâneos ao Cristianismo

Ziel Machado*

Neste pequeno texto, quero fazer uma pausa para que pensemos nos Desafios contemporãneos ao Cristianismo, e para isso apresento algumas idéias de dois pensadores, que por meio de suas obras nos ajudarão na compreensão deste tema.
O primeiro se chama Andrei Tarkovski, cineasta russo, autor de filmes como: O Sacrifício, Solaris, Nostalgia, O Espelho, entre outros. O segundo é John Stott, um dos pensadores cristãos mais importantes deste século, com uma obra extensa de grande contribuição.
É possível que você já tenha se perguntado sobre a relevância da fé em Deus, ou da Igreja para os dias de hoje, muitos continuam perguntando, dentro e fora do contexto cristão, e as respostas têm sido as mais variadas. Esta também é minha pergunta neste texto.
Estamos vivendo um momento repleto de possibilidades e riscos, onde começamos a fazer uma avaliação da nossa forma de ver e pensar o mundo. Este processo tem sido chamado de Pós-Modernidade, onde pouco a pouco vamos descobrindo que não estamos no controle de tudo, como imagina a mente moderna.
"Parece-me que nossa época é o clímax final de todo um ciclo histórico, no qual o poder supremo esteve nas mãos dos "grandes inquisidores", líderes e personalidades notáveis, motivados pela idéia de transformar a sociedade numa organização mais "justa" e racional. Eles procuraram apoderar-se da consciência das massas, inculcando-lhes novas concepções ideológicas e sociais, e convocando-as para a renovação das estruturas sob as quais está organizada a existência, em nome da felicidade da maioria, mas, a afirmação dos interesses de classe ou de grupo, acompanhada pela invocação do bem-estar da humanidade e da "prosperidade geral" resultam em flagrantes violações dos direitos do indivíduo, que se vê fatalmente isolado da sociedade..."(Tarkovski 1990: 276)
Neste mundo em transformação somos desafiados a uma dupla tarefa: estar conscientes e sensíveis. Nossa atitude em relação ao contexto e nossa busca por uma obediência sincera as Escrituras, darão o tom de nossa relevância. John Stott nos desafia a desenvolver a disciplina do "Double Listening”, onde seremos capazes de ouvir o Mundo de Deus e a Palavra de Deus.
No livro “The Contemporary Christian: Applaying God's Word To Today's World”, Stott nos apresenta uma síntese de sua compreensão dos principais desafios contemporâneos expressos em três buscas fundamentais: a busca por transcendência, a busca por sentido e a busca por comunidade.
A busca por transcendência é a procura por uma realidade última, algo que dê significado permanente a vida. Os sinais desta busca podem ser vistos nos efeitos provocados pela queda do muro de Berlim e a crise de paradigmas resultante, pelo vazio de uma vida centrada no consumo (característica do materialismo ocidental), pelo uso universal das drogas, pela ressacralização do mundo com uma espiritualidade sem verdade.
Esta realidade desafia a vida de adoração da Igreja de Cristo, já que nos tornamos especialistas em evangelização relegando a adoração a um segundo plano. A observação feita por Stott aponta para uma vida de adoração marcada pelo ritualismo sem realidade, formalismo sem poder, euforia sem temor, religiosidade sem Deus (Stott: 228).
Diante deste quadro as tarefas para a Igreja são: 1) resgatar a prioridade da leitura e pregação da Bíblia; 2) resgatar a celebração da Ceia; 3) resgatar a vida de adoração (solitude, silêncio e oração).
Outra dimensão desta jornada existencial é a busca por sentido. Tarkovski apresenta a cilada em que o Homem moderno se encontra da seguinte maneira:
"O que testemunhamos, no momento é o declínio do espiritual, enquanto o material já se tornou há muito tempo um organismo dotado de uma corrente sangüínea própria, e passou a constituir o fundamento de nossas vidas, cada vez mais paralisadas e esclerosadas. Está claro a todos que o progresso material em si não faz ninguém feliz, mas nem por isso paramos de multiplicar freneticamente suas conquistas". (Tarkovski: 281)
Os indicativos desta busca por sentido podem ser vistos no lado sombrio do avanço tecnológico, quando o mesmo "coisifica" e desumaniza o ser humano, no reducionismo científico quando trata da questão da verdade, e no abalo ao senso de sentido provocado pelo existencialismo (onde não existe Deus, não há mais valores, ideais, leis morais, propósito e sentido).
Neste ponto o desafio para a Igreja está na qualidade de seu ensino. A importância de resgatar temas como: Visão Bíblica da História, Antropologia Bíblica, Pecado, Depravação, Dignidade e a Teologia da Criação.
O último grande desafio é a busca por comunidade. Não somos ilhas, e a tarefa mais difícil neste contexto de desintegração social é tornar possível as relações humanas.
"No mundo de hoje, porém, as relações pessoais fundamentam-se quase que exclusivamente na ânsia de nos apropriarmos de tanto quanto for possível daquilo que pertence ao próximo, ao mesmo tempo que defendemos com unhas e dentes os nossos próprios interesses. O paradoxo de tal situação é que quanto mais humilhamos nosso semelhante, menos satisfeitos nos sentimos e maior se torna o nosso isolamento". (Tarkovski: 280)
Para os exemplos deste desafio vêm três pessoas muito conhecidas de nossa geração. A primeira é Madre Teresa de Calcutá, por sua afirmação de que em todos os continentes as pessoas sofrem fome de amor e de compreensão, padecendo de solidão e não-aceitação. O segundo é Bertrand Russell com a trilogia que conduziu sua vida (o desejo de ser amado, o desejo de conhecer, e o insuportável pesar pelo sofrimento humano). Por ultimo Wood Allen que luta em todos os seus filmes, tentando encontrar coragem para estabelecer sua vida sobre o amor, como em “Hannah e Suas Irmãs” quando diz: "talvez os poetas estejam certos, talvez o amor seja a única resposta".
Para a Igreja o desafio está na qualidade da vida em comunhão. Precisamos construir modelos de Igreja onde as barreiras que impeçam a verdadeira comunhão sejam quebradas, onde as pessoas possam experimentar relações significativas, num ambiente acolhedor sentindo-se aceitas e amadas.
Na busca por transcendência o Ser Humano procura Deus, na busca por sentido o Ser Humano procura a si mesmo, na busca por comunidade o Ser Humano procura pelo vizinho.
Diante destes desafios e possibilidades, será que estamos em condições de responder a cada um? Seremos relevantes? Estamos dispostos a ouvir a Deus e ao nosso Mundo (“Double Listening”)?
Tarkovski foi enfático sobre a relevância da Igreja nesta situação quando disse:
"Nem mesmo a Igreja é capaz de satisfazer essa sede de Absoluto que caracteriza o homem, pois, infelizmente ela só existe como uma espécie de apêndice, copiando, ou, até mesmo, caricaturando as instituições sociais que organizam nossa vida (...) a Igreja não parece nem um pouco capaz de restabelecer o equilíbrio através do apelo a um despertar espiritual (Tarkovski: 284).
Estaria a análise de Tarkovski correta? Se ele visitasse tua congregação, teria motivos para rever sua posição?
Se ele pudesse andar um tempo contigo, ele encontraria algo capaz de responder a este apelo por transcendência, sentido, e por comunidade? Por onde você deve começar (na leitura, na vida de adoração, na vida em comunhão) para ser um cristão contemporâneo, que tem uma mente enriquecida pelo conhecimento do passado e pela esperança de futuro?



* Pr. Ziel Machado foi secretário geral da ABUB e atualmente é secretário regional da CIEE para a América Latina.

terça-feira, setembro 25, 2007

Livrai-nos da indiferença


“Voltaram as costas para mim e não o rosto; embora eu os tenha ensinado vez após vez, não quiseram ouvir-me nem aceitaram a correção”. Jeremias 32.33: (NVI).

Philip Yancey escreve no seu livro ‘O Deus (in)visível’ sobre os Filhos Adultos de Alcoólicos (uma associação que trabalha com as famílias afligidas pelo alcoolismo). Esta associação identifica três mecanismos que os filhos de alcoólicos precisam desenvolver para sobreviver em um ambiente hostil: não falar, não confiar e não sentir. Quando adultos, descobrem-se incapazes de manter um relacionamento íntimo e precisam desaprender o padrão da indiferença.
O texto de Jeremias 32.33 mostra-nos uma reação de indiferença. O virar as costas é a negação às claras, é a rebeldia, mas o virar o rosto é a negação sutil, é a indiferença. A indiferença fere! Não só em Jeremias, mas na Bíblia como um todo, metáforas são utilizadas para revelar-nos que o Deus Todo-Poderoso é também o Deus que ‘sofre a dor da indiferença’. As metáforas do marido traído ou do pai cujos filhos se tornam rebeldes e não lhe ouvem a voz, são constantemente utilizadas para expressar o que Deus sente quando tornamo-nos indiferentes ao seu amor e cuidado.
É certo que alguns afirmarão que estes “sentimentos de Deus” nada mais são que “antropopatismos”
[1]. Contudo, a compreensão de um Deus impassível e apático (incapaz de sentir dor) tem sido a causa do indiferentismo no qual vivemos hoje!
“Costumava pensar que as idéias de um Deus que fumegava com ira, que era ciumento, que ardia de amor, ficava desiludido eram infantis e humanas demais. O deus abstrato dos filósofos, purgado de todas as imagens humanas, parecia-me mais próximo da verdade. Mas, quanto mais eu via como a abstração destruía a vida, mais compreendia a paixão do Deus do Antigo Testamento e a dor que lhe rasgava o coração”.
[2]
Nossa leitura da Bíblia e nossa visão sobre Deus podem estar condicionadas pelas nossas frustrações e inquietações. Deus pode tornar-se, assim, distante e complexo demais. Como alguém escreveu certa vez em tom jocoso: “Meu pastor se parece muito com Deus: durante a semana eu não o vejo e aos domingos eu não o compreendo”.
Parece-me que conseguimos transformar a Bíblia num manual técnico de espiritualidade. Nossa leitura da Bíblia, quando não é superficial, torna-se um hábito enfadonho que fazemos e nem mesmo sabemos o porquê... A oração torna-se uma ação vazia de sentido para um Deus imperceptível e distante. A adoração pública quase sempre se torna um entretenimento que, como tal, produz efêmeras sensações de alegria e êxtase.
O que está errado com tudo isso? O fato é que com isso estamos ignorando Deus. Tornamo-nos indiferentes. O contrário de tudo isso é convidar Deus para participar de cada aspecto da vida e transformar toda a vida cristã, não na jornada pelo conhecimento sobre Deus, mas na jornada da busca pelo relacionamento mais profundo e íntimo com Deus. Somente isto poderá manter a nossa fé; não nos enganemos!
Nesta jornada espiritual a fim de construir um relacionamento profundo com Deus, precisamos enfrentar a sutil tentação do indiferentismo. Mais perigoso do que a desconfiança de que Deus me abandonou ou que está contra mim, é a indiferença que é conseqüência do acúmulo de distrações, até mesmo as religiosas! O meu ativismo, inclusive o ativismo em nome de Deus, pode ser uma grande fuga de Deus. São tantas coisas que preciso fazer, que gradativamente Deus vai se tornando um anexo secundário no ‘panteão das minhas prioridades’.
Que em nossa sincera ”auto-sondagem” possamos encontrar nosso rosto em direção à face de Deus!
“Amado Pai, Deus de graça e misericórdia, na confusão da minha vida e dos meus intentos, perco o foco e a direção. Meus passos são falsos, num caminho desconhecido e hostil, e minhas mãos não conseguem tatear o que é o melhor pra mim. Em meio a imperfeição dos meus atos e da confusão dos meus objetivos, perco também a força dos meus braços e o ânimo do coração. Voltar-me para longe de Ti não posso, não consigo e não quero... mas as vezes sinto que meus temores e minhas frustrações afastam-me da Tua presença. Na jornada desse meu pobre caminhar, peço-te: Livrai-me da indiferença! No amor de Jesus, teu Filho, meu Senhor e Salvador. Amém!”


Rev. Ézio Martins de Lima
[1] Antropopatismo: atribuir a Deus sentimentos humanos.
[2] MOLTMANN, Jürgem Paixão pela Vida.

domingo, setembro 23, 2007

O “SER” Bem Sucedido


O “SER” Bem Sucedido (*)

Medimos uns aos outros pelo critério das conquistas e posses, prejuízos e derrotas. Perguntamos, por exemplo, se uma determinada pessoa está ‘bem’, e recebemos a resposta: “ah! comprou um carro novo”, ou ainda: “você não soube? Perdeu tudo que tinha...” Ora, nisso está subentendido que analisamos as pessoas a partir da ‘filosofia do mercado’. Se somos contados entre os que ‘tem’, somos então bem sucedidos; mas se “não temos” então somos fracassados. Somos medidos pelo carro que dirigimos, pelo celular que usamos, pela veste que trajamos, pelo linguajar, pela comida, pela música que ouvimos... Você não é você, você é o que você tem.
É o ‘ter' exercendo supremacia sobre o “ser’. Isto traz um sentimento de vazio assustador! Por isso, o ser humano se lança na busca de subterfúgios para aplacar esta síndrome da auto-imagem destruída; ao mesmo tempo que o leva ao paradoxo da existência, que consiste em deixar de buscar e viver o que realmente importa para conseguir provar aos outros que se tem algum valor.
Estamos o tempo todo buscando demonstrar que temos valor. Sentir-se valorizado e amado é necessidade tão básica à vida quanto a necessidade de se alimentar. Ambas as necessidades quando não são supridas podem levar à morte. A falta do alimento impossibilita a nutrição do organismo, que o leva à inanição e posteriormente à falência dos órgãos. Quando falta o senso de valorização pessoal o ser humano torna-se ‘homem máquina’, homo faber, que tem sua utilidade exacerbada em detrimento de sua humanidade. Eis aqui o porquê de medirmos uns aos outros segundo este critério da filosofia do mercado: perdermos o verdadeiro paradigma para nos conceituar e, por isso, precisamos de adendos para nos sentir melhores e nos mostrar superiores.
O “Ser” bem sucedido não é aquele que muito tem, mas é aquele que tendo ou não, se entende como ser amado por Deus e se entrega à uma vida de amor a este Deus e, por conseguinte, ao seu semelhante. Não é esta a definição da verdadeira religião que nos foi dada por Jesus? (...) Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de toda a tua força. O segundo é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior do que estes”. (Marcos 12.30-31).
O “Ser” bem sucedido não é aquele que conquista reinos, que constrói impérios, que governa nações, mas é aquele que depois ter feito tudo isso pode olhar para si mesmo e dizer como o Rei Davi: “em Deus ponho a minha confiança e nada temerei.” (Salmos 56.11) É aquele, portanto, que reconhece que tudo o que fez e tudo que é, o é pela graça e misericórdia de Deus.
O “Ser” bem sucedido é aquele que depois de dominar o conhecimento, de saber lidar com as idéias, dissuadir e persuadir no uso das palavras, reconhece que “O temor do SENHOR é o princípio da sabedoria; revelam prudência todos os que o praticam”. (Salmos 111.10).
O “Ser” bem sucedido é aquele que tendo autoridade para governar, o faz com diligência, sempre preocupado com a justiça e a verdade, porque aprendeu que “Os tesouros da impiedade de nada aproveitam, mas a justiça livra da morte”. (Provérbios 10.2).
O “Ser” bem sucedido é aquele que sabe distinguir “riquezas temporais” das “riquezas eternas”: “Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam; mas ajuntai para vós outros tesouros no céu, onde traça nem ferrugem corrói, e onde ladrões não escavam, nem roubam; porque, onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração. (Mateus 6.19-21).
O “Ser” bem sucedido, por fim, é aquele que se deixa reger pelo princípio do amor. “(...) se não tiver amor, nada serei” ( I Coríntios 13.2). Fala-se muito em inteligência emocional. Mas não é estranho o fato de que a cada dia agimos de forma mais racional, fria e calculista? Deus nos deu as coisas para usar e as pessoas para amar, mas não é estranho o fato de que o tempo todo estamos usando as pessoas e amando as coisas? Reger-se pelo princípio do amor é estabelecer a prioridade de que o ser humano em si mesmo vem antes de sua utilidade. Reger-se pelo princípio do amor é dar prioridade à família, esposa/esposo, filhos, bem antes do valor dado à empresa, às posses, ao próprio trabalho... É reconhecer que sem “as coisas” podemos passar dificuldades, mas ainda podemos contar com as pessoas para nos amar, nos confortar, nos inspirar aos novos sonhos e às novas conquistas... Mas sem as pessoas que amamos para que nos servirá todas coisas?
É certo que o modelo de sucesso segundo os critérios correntes em nosso mundo está distante destes extraídos da Sagrada Escritura, “mas importa antes ouvir a Deus do que aos homens” (Atos dos Apóstolos 4. 19). É certo também que o mundo globalizado nos mede e nos incita a medir aos outros por um padrão diferente, mas sábio e prudente é reconhecer que é a Deus a quem haveremos de prestar contas de nossos atos.

Rev. Ézio Martins de Lima

* texto publicado em revista de circulaçao no Sudoeste Goiano, e lido na noite de entrega do troféu " Destaque" (prêmio aos empresários e às empresas do ano -2001)