Arcebispo Stylianos da Austrália
Ao entrar mais uma vez no período da Grande Quaresma, é natural que recordemos as características básicas que tem marcado a ascese dos cristãos ortodoxos. Entre estas características, a oração e o jejum têm lugar central.
Quando um ortodoxo fala de jejum, a oração vem imediatamente a sua mente; quando fala de oração, de igual modo o jejum vem automaticamente a sua mente. Isto porque estes dois meios de comunicação com Deus estão intimamente relacionados. É por isso que Cristo, quando seus discípulos tentaram em vão libertar um jovem dos espíritos malignos que o atormentavam, apontou este duplo meio, a oração e jejum, como a mais poderosa arma que o ser humano tem contra o diabo. «Este tipo de demônio não pode ser expulso senão por meio da oração e do jejum» (Mc 9, 29)
Contudo, as pessoas «cultas e liberais» de nosso tempo, que analisam tudo e tudo desmistificam, não encontram explicações para justificar a prática do jejum e da oração. Perguntam-se qual o significado de falar com Deus através da oração, pedindo-lhe ajuda através das petições se Ele, que é Onisciente, tudo sabe. Da mesma forma se perguntam, o que importaria para Deus o comer este ou aquele alimento, com maior ou menor quantidade, neste ou naquele dia.
Se, a primeira vista, tais questões parecem persuasivas e justas, contudo, os que julgam o jejum e a oração desta maneira não captaram o seu significado mais profundo. Sem dúvida, o significado da oração não está somente no fato de comunicar a Deus as necessidades que temos, mas de exercitar nossa humildade diante d'Ele, abrir-lhe nosso coração e colocar nossa vida em suas mãos; sentir o calor do diálogo com Ele e declarar que nós livremente o reconhecemos como o Senhor de nossa vida.
O jejum, tão pouco, tem valor moral ou espiritual em si mesmo, como se fosse uma dieta alimentar, pois Deus não tem nosso bem estar biológico como sua medida. É precisamente por esta razão que São Paulo, que viveu tão pouco, mas que tanto sofreu, não cessou de confessar claramente que «não perderemos nada se não comermos nem ganharemos nada se comermos; pois estas coisas não melhoram nossa relação com Deus». O jejum, portanto, adquire seu significado moral e espiritual na medida em que chega a ser o meio e o potencial para uma melhor comunicação com Deus. E, verdadeiramente, mediante o jejum o ser humano luta para controlar seus desejos e instintos biológicos irracionais para ser mais livre, para abster-se das atrações do mundo e para chegar a ser mais transparente e mais receptivo em sua comunicação espiritual. O jejum e a oração não são fins em si mesmos, mas meios de comunicação com Deus, e tal comunicação é nosso objetivo e cume. Um lindo provérbio árabe diz : «a alma não quer nem café nem cafeteira, apenas companhia; o café é apenas um pretexto».
Poderíamos dizer que o jejum e a oração são «pretextos» sagrados para capacitar o ser humano a romper o monólogo com seu ego tornando-se humilde e assim poder comunicar-se com Deus e receber assim a bênção, a iluminação e a santificação que esta comunicação nos traz. Seguramente, as palavras da Escritura sempre terão autoridade eterna: «Deus resiste aos soberbos, e aos humildes dá a sua graça». Tg 4, 6
FONTE:
Revista The Orthodox Messenger. Março-Abril 1998
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