terça-feira, outubro 21, 2008

"Não conheço outra profissão em que seja tão fácil fingir como a nossa"

Não conheço outra profissão em que seja tão fácil fingir como a nossa. Existem comportamentos que podemos adotar para ser­mos considerados, sem nenhum questionamento, conhecedores de mistérios: ter um porte reverente, cultivar uma voz empostada, in­troduzir em nossas conversas e palestras palavras eruditas em quan­tidade suficiente apenas para convencer os outros de que nosso treino mental está um pouco acima do que o da congregação. A maioria das pessoas, ou pelo menos aquelas com quem convive­mos mais estreitamente, sabe que, na realidade, estamos cercados por enormes mistérios, como a vida e a morte, o bem e o mal, o sofrimento e a alegria, graça, misericórdia, perdão. Podemos in­sinuar familiaridade com esses assuntos profundos com gestos, sus­piros cheios de simpatia ou toques repletos de compaixão. Mesmo quando, no meio de ataques de humildade ou honestidade, declara­mos que não somos santos, ninguém acredita, porque todos preci­sam de ter certeza de que alguém tem contato com os assuntos mais elevados. As pessoas têm seu interior dividido entre listas de compras e boas intenções, adultérios (reais ou imaginários) que trazem culpa e atos heróicos cheios de virtude, desejo de se santi­ficar e anseio por auto-satisfação. Esperam tornar-se melhores a partir de, quem sabe?, amanhã ou, no mais tardar, da semana que vem. Enquanto isso não acontece, precisam estar perto de alguém que possa tomar o lugar delas, em quem possam projetar seus anseios de uma vida gratificante com Deus. Ao apresentarmos-lhes um fra­co simulacro do que esperam, elas o tomam como real e convivem com ele, atribuindo-nos mãos limpas e corações puros.

Os aspectos públicos e, conseqüentemente, menos pessoais de nossa vida podem ser simulados com igual facilidade. É possível pla­giar sermões dos mestres e aprender a dirigir uma liturgia maquinal­mente. Copiar trechos das Escrituras adequados para visitas domicili­ares ou hospitalares e colocá-los discretamente no punho da camisa para uma rápida olhadinha no momento da necessidade também não é difícil. Ainda podemos decorar meia-dúzia de orações que atendam a ocasiões em que nos pedem para fazer uma "oraçãozinha" para dar início a alguma reunião de forma apropriada. Finalmente, é possível aprender como fazer parte de algum comitê indo a algumas reuniões e anotando o que funciona e o que não dá certo.

Estive convencido, durante muito tempo, de que seria pos­sível dar seis meses de treinamento profissionalizante a qualquer formando do 2o grau e transformá-lo em um pastor adequado a qualquer congregação exigente. O currículo seria constituído de quatro matérias:

1. Plágio Criativo. Após participar de numerosas palestras exce­lentes e inspirativas, o aluno receberá instruções para alterá-las um pouco, apenas para disfarçar a origem, de forma a alcan­çar a fama de perspicácia e sabedoria.

2. Controle de Voz para Oração e Aconselhamento. Orientação para o desenvolvimento da entonação de voz, com aquisição de habilidade na ressonância e modulação, a fim de transmitir uma inequívoca aura de santidade.

3. Administração Eficiente de Gabinete. Não há nada que os paroquianos admirem mais em seus pastores do que a capa­cidade de administrar o gabinete com eficiência. Se retor­narmos os telefonemas dentro de 24 horas, respondermos as cartas no prazo de uma semana, distribuirmos cópias im­pressas para as pessoas-chave para que saibam que estamos no controle e tivermos uma certa confusão em cima de nos­sas mesas (se for muita confusão, pareceremos ineficientes, se houver muita ordem daremos a impressão de estar sem serviço), alcançaremos, com muita rapidez, a reputação de eficiência, que é muito mais importante do que tudo que fazemos.

4. Projeção de Imagem. Aqui, o aluno dominará meia-dúzia de ferramentas bem conhecidas e facilmente utilizadas que criam a impressão de que está terrivelmente ocupado e que é procurado a todo momento para aconselhar pessoas in­fluentes na comunidade.

Além das matérias básicas, uma semana de reciclagem por ano introduziria novas frases para convencer os paroquianos de que seu pastor é inovador, seguro de si, sempre atento às grandes tendências do momento mas, ao mesmo tempo, solidamente arraigado nos valo­res tradicionais dos santos que nos precederam.

Eugene Peterson (Um pastor segundo o coração de Deus)

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