“Voltaram as costas para mim e não o rosto; embora eu os tenha ensinado vez após vez, não quiseram ouvir-me nem aceitaram a correção”. Jeremias 32.33: (NVI).
Philip Yancey escreve no seu livro ‘O Deus (in)visível’ sobre os Filhos Adultos de Alcoólicos (uma associação que trabalha com as famílias afligidas pelo alcoolismo). Esta associação identifica três mecanismos que os filhos de alcoólicos precisam desenvolver para sobreviver em um ambiente hostil: não falar, não confiar e não sentir. Quando adultos, descobrem-se incapazes de manter um relacionamento íntimo e precisam desaprender o padrão da indiferença.
O texto de Jeremias 32.33 mostra-nos uma reação de indiferença. O virar as costas é a negação às claras, é a rebeldia, mas o virar o rosto é a negação sutil, é a indiferença. A indiferença fere! Não só em Jeremias, mas na Bíblia como um todo, metáforas são utilizadas para revelar-nos que o Deus Todo-Poderoso é também o Deus que ‘sofre a dor da indiferença’. As metáforas do marido traído ou do pai cujos filhos se tornam rebeldes e não lhe ouvem a voz, são constantemente utilizadas para expressar o que Deus sente quando tornamo-nos indiferentes ao seu amor e cuidado.
É certo que alguns afirmarão que estes “sentimentos de Deus” nada mais são que “antropopatismos”[1]. Contudo, a compreensão de um Deus impassível e apático (incapaz de sentir dor) tem sido a causa do indiferentismo no qual vivemos hoje!
“Costumava pensar que as idéias de um Deus que fumegava com ira, que era ciumento, que ardia de amor, ficava desiludido eram infantis e humanas demais. O deus abstrato dos filósofos, purgado de todas as imagens humanas, parecia-me mais próximo da verdade. Mas, quanto mais eu via como a abstração destruía a vida, mais compreendia a paixão do Deus do Antigo Testamento e a dor que lhe rasgava o coração”.[2]
Nossa leitura da Bíblia e nossa visão sobre Deus podem estar condicionadas pelas nossas frustrações e inquietações. Deus pode tornar-se, assim, distante e complexo demais. Como alguém escreveu certa vez em tom jocoso: “Meu pastor se parece muito com Deus: durante a semana eu não o vejo e aos domingos eu não o compreendo”.
Parece-me que conseguimos transformar a Bíblia num manual técnico de espiritualidade. Nossa leitura da Bíblia, quando não é superficial, torna-se um hábito enfadonho que fazemos e nem mesmo sabemos o porquê... A oração torna-se uma ação vazia de sentido para um Deus imperceptível e distante. A adoração pública quase sempre se torna um entretenimento que, como tal, produz efêmeras sensações de alegria e êxtase.
O que está errado com tudo isso? O fato é que com isso estamos ignorando Deus. Tornamo-nos indiferentes. O contrário de tudo isso é convidar Deus para participar de cada aspecto da vida e transformar toda a vida cristã, não na jornada pelo conhecimento sobre Deus, mas na jornada da busca pelo relacionamento mais profundo e íntimo com Deus. Somente isto poderá manter a nossa fé; não nos enganemos!
Nesta jornada espiritual a fim de construir um relacionamento profundo com Deus, precisamos enfrentar a sutil tentação do indiferentismo. Mais perigoso do que a desconfiança de que Deus me abandonou ou que está contra mim, é a indiferença que é conseqüência do acúmulo de distrações, até mesmo as religiosas! O meu ativismo, inclusive o ativismo em nome de Deus, pode ser uma grande fuga de Deus. São tantas coisas que preciso fazer, que gradativamente Deus vai se tornando um anexo secundário no ‘panteão das minhas prioridades’.
Que em nossa sincera ”auto-sondagem” possamos encontrar nosso rosto em direção à face de Deus!
“Amado Pai, Deus de graça e misericórdia, na confusão da minha vida e dos meus intentos, perco o foco e a direção. Meus passos são falsos, num caminho desconhecido e hostil, e minhas mãos não conseguem tatear o que é o melhor pra mim. Em meio a imperfeição dos meus atos e da confusão dos meus objetivos, perco também a força dos meus braços e o ânimo do coração. Voltar-me para longe de Ti não posso, não consigo e não quero... mas as vezes sinto que meus temores e minhas frustrações afastam-me da Tua presença. Na jornada desse meu pobre caminhar, peço-te: Livrai-me da indiferença! No amor de Jesus, teu Filho, meu Senhor e Salvador. Amém!”
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