Ziel Machado*
Neste pequeno texto, quero fazer uma pausa para que pensemos nos Desafios contemporãneos ao Cristianismo, e para isso apresento algumas idéias de dois pensadores, que por meio de suas obras nos ajudarão na compreensão deste tema.
O primeiro se chama Andrei Tarkovski, cineasta russo, autor de filmes como: O Sacrifício, Solaris, Nostalgia, O Espelho, entre outros. O segundo é John Stott, um dos pensadores cristãos mais importantes deste século, com uma obra extensa de grande contribuição.
É possível que você já tenha se perguntado sobre a relevância da fé em Deus, ou da Igreja para os dias de hoje, muitos continuam perguntando, dentro e fora do contexto cristão, e as respostas têm sido as mais variadas. Esta também é minha pergunta neste texto.
Estamos vivendo um momento repleto de possibilidades e riscos, onde começamos a fazer uma avaliação da nossa forma de ver e pensar o mundo. Este processo tem sido chamado de Pós-Modernidade, onde pouco a pouco vamos descobrindo que não estamos no controle de tudo, como imagina a mente moderna.
"Parece-me que nossa época é o clímax final de todo um ciclo histórico, no qual o poder supremo esteve nas mãos dos "grandes inquisidores", líderes e personalidades notáveis, motivados pela idéia de transformar a sociedade numa organização mais "justa" e racional. Eles procuraram apoderar-se da consciência das massas, inculcando-lhes novas concepções ideológicas e sociais, e convocando-as para a renovação das estruturas sob as quais está organizada a existência, em nome da felicidade da maioria, mas, a afirmação dos interesses de classe ou de grupo, acompanhada pela invocação do bem-estar da humanidade e da "prosperidade geral" resultam em flagrantes violações dos direitos do indivíduo, que se vê fatalmente isolado da sociedade..."(Tarkovski 1990: 276)
Neste mundo em transformação somos desafiados a uma dupla tarefa: estar conscientes e sensíveis. Nossa atitude em relação ao contexto e nossa busca por uma obediência sincera as Escrituras, darão o tom de nossa relevância. John Stott nos desafia a desenvolver a disciplina do "Double Listening”, onde seremos capazes de ouvir o Mundo de Deus e a Palavra de Deus.
No livro “The Contemporary Christian: Applaying God's Word To Today's World”, Stott nos apresenta uma síntese de sua compreensão dos principais desafios contemporâneos expressos em três buscas fundamentais: a busca por transcendência, a busca por sentido e a busca por comunidade.
A busca por transcendência é a procura por uma realidade última, algo que dê significado permanente a vida. Os sinais desta busca podem ser vistos nos efeitos provocados pela queda do muro de Berlim e a crise de paradigmas resultante, pelo vazio de uma vida centrada no consumo (característica do materialismo ocidental), pelo uso universal das drogas, pela ressacralização do mundo com uma espiritualidade sem verdade.
Esta realidade desafia a vida de adoração da Igreja de Cristo, já que nos tornamos especialistas em evangelização relegando a adoração a um segundo plano. A observação feita por Stott aponta para uma vida de adoração marcada pelo ritualismo sem realidade, formalismo sem poder, euforia sem temor, religiosidade sem Deus (Stott: 228).
Diante deste quadro as tarefas para a Igreja são: 1) resgatar a prioridade da leitura e pregação da Bíblia; 2) resgatar a celebração da Ceia; 3) resgatar a vida de adoração (solitude, silêncio e oração).
Outra dimensão desta jornada existencial é a busca por sentido. Tarkovski apresenta a cilada em que o Homem moderno se encontra da seguinte maneira:
"O que testemunhamos, no momento é o declínio do espiritual, enquanto o material já se tornou há muito tempo um organismo dotado de uma corrente sangüínea própria, e passou a constituir o fundamento de nossas vidas, cada vez mais paralisadas e esclerosadas. Está claro a todos que o progresso material em si não faz ninguém feliz, mas nem por isso paramos de multiplicar freneticamente suas conquistas". (Tarkovski: 281)
Os indicativos desta busca por sentido podem ser vistos no lado sombrio do avanço tecnológico, quando o mesmo "coisifica" e desumaniza o ser humano, no reducionismo científico quando trata da questão da verdade, e no abalo ao senso de sentido provocado pelo existencialismo (onde não existe Deus, não há mais valores, ideais, leis morais, propósito e sentido).
Neste ponto o desafio para a Igreja está na qualidade de seu ensino. A importância de resgatar temas como: Visão Bíblica da História, Antropologia Bíblica, Pecado, Depravação, Dignidade e a Teologia da Criação.
O último grande desafio é a busca por comunidade. Não somos ilhas, e a tarefa mais difícil neste contexto de desintegração social é tornar possível as relações humanas.
"No mundo de hoje, porém, as relações pessoais fundamentam-se quase que exclusivamente na ânsia de nos apropriarmos de tanto quanto for possível daquilo que pertence ao próximo, ao mesmo tempo que defendemos com unhas e dentes os nossos próprios interesses. O paradoxo de tal situação é que quanto mais humilhamos nosso semelhante, menos satisfeitos nos sentimos e maior se torna o nosso isolamento". (Tarkovski: 280)
Para os exemplos deste desafio vêm três pessoas muito conhecidas de nossa geração. A primeira é Madre Teresa de Calcutá, por sua afirmação de que em todos os continentes as pessoas sofrem fome de amor e de compreensão, padecendo de solidão e não-aceitação. O segundo é Bertrand Russell com a trilogia que conduziu sua vida (o desejo de ser amado, o desejo de conhecer, e o insuportável pesar pelo sofrimento humano). Por ultimo Wood Allen que luta em todos os seus filmes, tentando encontrar coragem para estabelecer sua vida sobre o amor, como em “Hannah e Suas Irmãs” quando diz: "talvez os poetas estejam certos, talvez o amor seja a única resposta".
Para a Igreja o desafio está na qualidade da vida em comunhão. Precisamos construir modelos de Igreja onde as barreiras que impeçam a verdadeira comunhão sejam quebradas, onde as pessoas possam experimentar relações significativas, num ambiente acolhedor sentindo-se aceitas e amadas.
Na busca por transcendência o Ser Humano procura Deus, na busca por sentido o Ser Humano procura a si mesmo, na busca por comunidade o Ser Humano procura pelo vizinho.
Diante destes desafios e possibilidades, será que estamos em condições de responder a cada um? Seremos relevantes? Estamos dispostos a ouvir a Deus e ao nosso Mundo (“Double Listening”)?
Tarkovski foi enfático sobre a relevância da Igreja nesta situação quando disse:
"Nem mesmo a Igreja é capaz de satisfazer essa sede de Absoluto que caracteriza o homem, pois, infelizmente ela só existe como uma espécie de apêndice, copiando, ou, até mesmo, caricaturando as instituições sociais que organizam nossa vida (...) a Igreja não parece nem um pouco capaz de restabelecer o equilíbrio através do apelo a um despertar espiritual (Tarkovski: 284).
Estaria a análise de Tarkovski correta? Se ele visitasse tua congregação, teria motivos para rever sua posição?
Se ele pudesse andar um tempo contigo, ele encontraria algo capaz de responder a este apelo por transcendência, sentido, e por comunidade? Por onde você deve começar (na leitura, na vida de adoração, na vida em comunhão) para ser um cristão contemporâneo, que tem uma mente enriquecida pelo conhecimento do passado e pela esperança de futuro?
O primeiro se chama Andrei Tarkovski, cineasta russo, autor de filmes como: O Sacrifício, Solaris, Nostalgia, O Espelho, entre outros. O segundo é John Stott, um dos pensadores cristãos mais importantes deste século, com uma obra extensa de grande contribuição.
É possível que você já tenha se perguntado sobre a relevância da fé em Deus, ou da Igreja para os dias de hoje, muitos continuam perguntando, dentro e fora do contexto cristão, e as respostas têm sido as mais variadas. Esta também é minha pergunta neste texto.
Estamos vivendo um momento repleto de possibilidades e riscos, onde começamos a fazer uma avaliação da nossa forma de ver e pensar o mundo. Este processo tem sido chamado de Pós-Modernidade, onde pouco a pouco vamos descobrindo que não estamos no controle de tudo, como imagina a mente moderna.
"Parece-me que nossa época é o clímax final de todo um ciclo histórico, no qual o poder supremo esteve nas mãos dos "grandes inquisidores", líderes e personalidades notáveis, motivados pela idéia de transformar a sociedade numa organização mais "justa" e racional. Eles procuraram apoderar-se da consciência das massas, inculcando-lhes novas concepções ideológicas e sociais, e convocando-as para a renovação das estruturas sob as quais está organizada a existência, em nome da felicidade da maioria, mas, a afirmação dos interesses de classe ou de grupo, acompanhada pela invocação do bem-estar da humanidade e da "prosperidade geral" resultam em flagrantes violações dos direitos do indivíduo, que se vê fatalmente isolado da sociedade..."(Tarkovski 1990: 276)
Neste mundo em transformação somos desafiados a uma dupla tarefa: estar conscientes e sensíveis. Nossa atitude em relação ao contexto e nossa busca por uma obediência sincera as Escrituras, darão o tom de nossa relevância. John Stott nos desafia a desenvolver a disciplina do "Double Listening”, onde seremos capazes de ouvir o Mundo de Deus e a Palavra de Deus.
No livro “The Contemporary Christian: Applaying God's Word To Today's World”, Stott nos apresenta uma síntese de sua compreensão dos principais desafios contemporâneos expressos em três buscas fundamentais: a busca por transcendência, a busca por sentido e a busca por comunidade.
A busca por transcendência é a procura por uma realidade última, algo que dê significado permanente a vida. Os sinais desta busca podem ser vistos nos efeitos provocados pela queda do muro de Berlim e a crise de paradigmas resultante, pelo vazio de uma vida centrada no consumo (característica do materialismo ocidental), pelo uso universal das drogas, pela ressacralização do mundo com uma espiritualidade sem verdade.
Esta realidade desafia a vida de adoração da Igreja de Cristo, já que nos tornamos especialistas em evangelização relegando a adoração a um segundo plano. A observação feita por Stott aponta para uma vida de adoração marcada pelo ritualismo sem realidade, formalismo sem poder, euforia sem temor, religiosidade sem Deus (Stott: 228).
Diante deste quadro as tarefas para a Igreja são: 1) resgatar a prioridade da leitura e pregação da Bíblia; 2) resgatar a celebração da Ceia; 3) resgatar a vida de adoração (solitude, silêncio e oração).
Outra dimensão desta jornada existencial é a busca por sentido. Tarkovski apresenta a cilada em que o Homem moderno se encontra da seguinte maneira:
"O que testemunhamos, no momento é o declínio do espiritual, enquanto o material já se tornou há muito tempo um organismo dotado de uma corrente sangüínea própria, e passou a constituir o fundamento de nossas vidas, cada vez mais paralisadas e esclerosadas. Está claro a todos que o progresso material em si não faz ninguém feliz, mas nem por isso paramos de multiplicar freneticamente suas conquistas". (Tarkovski: 281)
Os indicativos desta busca por sentido podem ser vistos no lado sombrio do avanço tecnológico, quando o mesmo "coisifica" e desumaniza o ser humano, no reducionismo científico quando trata da questão da verdade, e no abalo ao senso de sentido provocado pelo existencialismo (onde não existe Deus, não há mais valores, ideais, leis morais, propósito e sentido).
Neste ponto o desafio para a Igreja está na qualidade de seu ensino. A importância de resgatar temas como: Visão Bíblica da História, Antropologia Bíblica, Pecado, Depravação, Dignidade e a Teologia da Criação.
O último grande desafio é a busca por comunidade. Não somos ilhas, e a tarefa mais difícil neste contexto de desintegração social é tornar possível as relações humanas.
"No mundo de hoje, porém, as relações pessoais fundamentam-se quase que exclusivamente na ânsia de nos apropriarmos de tanto quanto for possível daquilo que pertence ao próximo, ao mesmo tempo que defendemos com unhas e dentes os nossos próprios interesses. O paradoxo de tal situação é que quanto mais humilhamos nosso semelhante, menos satisfeitos nos sentimos e maior se torna o nosso isolamento". (Tarkovski: 280)
Para os exemplos deste desafio vêm três pessoas muito conhecidas de nossa geração. A primeira é Madre Teresa de Calcutá, por sua afirmação de que em todos os continentes as pessoas sofrem fome de amor e de compreensão, padecendo de solidão e não-aceitação. O segundo é Bertrand Russell com a trilogia que conduziu sua vida (o desejo de ser amado, o desejo de conhecer, e o insuportável pesar pelo sofrimento humano). Por ultimo Wood Allen que luta em todos os seus filmes, tentando encontrar coragem para estabelecer sua vida sobre o amor, como em “Hannah e Suas Irmãs” quando diz: "talvez os poetas estejam certos, talvez o amor seja a única resposta".
Para a Igreja o desafio está na qualidade da vida em comunhão. Precisamos construir modelos de Igreja onde as barreiras que impeçam a verdadeira comunhão sejam quebradas, onde as pessoas possam experimentar relações significativas, num ambiente acolhedor sentindo-se aceitas e amadas.
Na busca por transcendência o Ser Humano procura Deus, na busca por sentido o Ser Humano procura a si mesmo, na busca por comunidade o Ser Humano procura pelo vizinho.
Diante destes desafios e possibilidades, será que estamos em condições de responder a cada um? Seremos relevantes? Estamos dispostos a ouvir a Deus e ao nosso Mundo (“Double Listening”)?
Tarkovski foi enfático sobre a relevância da Igreja nesta situação quando disse:
"Nem mesmo a Igreja é capaz de satisfazer essa sede de Absoluto que caracteriza o homem, pois, infelizmente ela só existe como uma espécie de apêndice, copiando, ou, até mesmo, caricaturando as instituições sociais que organizam nossa vida (...) a Igreja não parece nem um pouco capaz de restabelecer o equilíbrio através do apelo a um despertar espiritual (Tarkovski: 284).
Estaria a análise de Tarkovski correta? Se ele visitasse tua congregação, teria motivos para rever sua posição?
Se ele pudesse andar um tempo contigo, ele encontraria algo capaz de responder a este apelo por transcendência, sentido, e por comunidade? Por onde você deve começar (na leitura, na vida de adoração, na vida em comunhão) para ser um cristão contemporâneo, que tem uma mente enriquecida pelo conhecimento do passado e pela esperança de futuro?
* Pr. Ziel Machado foi secretário geral da ABUB e atualmente é secretário regional da CIEE para a América Latina.
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