sábado, julho 07, 2007

Cuidando de quem Cuida!




“Daí, que os pastores ousem todas as coisas pela Palavra de Deus, da qual foram constituídos despenseiros... que eles, pela Palavra comandem a todos, do maior ao menor; que edifiquem a casa de Cristo, que destruam o reino de Satanás; que alimentem as ovelhas, matem os lobos, instruam e exortem o dócil; que repreendam, reprovem, censurem, e convençam o rebelde, mas tudo pela e dentro da Palavra de Deus.” (João Calvino – Instrução na Fé).

As palavras de Calvino apontam para a importância e a necessidade do pastor! Não há dúvida, no contexto da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil, da importância e da necessidade dos ministros chamados para pastorear o rebanho de Deus! Afinal, pastores são usados por Deus “com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo...” (Efésios 4.12).
Não obstante à importância do ministério pastoral, é certo que o seu desempenho é marcado pelas crises. Crises que nascem desde a vocação e perduram por todo o ministério! Henri Nouwen
[1], em um pequeno livro cujo título é “Podeis beber meu Cálice?”, escreveu: “Em 21 de julho de 1957, quando o sonho de tornar-me padre foi realizado, eu era um jovem de 25 anos de idade bastante ingênuo. Minha vida fora muito bem protegida. Crescera como se fosse um jardim bem cuidado rodeado por muros altos. Um jardim de amor e cuidado paternais, com inocentes experiências de escoteiro, missa diária e comunhão, longas horas de estudo com professores muito pacientes e muitos anos de vida feliz, mas muito isolada no seminário. Deixei tudo isso com um profundo amor por Jesus e cheio de desejo de levar o Evangelho ao mundo sem saber que nem todo mundo estaria esperando por mim”.
Ser pastor num mundo em que a maioria não espera pelo pastor, não deseja ser pastoreada e rejeita o pastoreio, coloca o pastor entres dois extremos: necessário ou desnecessário? Eficiente ou incompetente?
Com a igreja transformando-se num negócio, automaticamente o pastor trocou o cajado pela agenda eletrônica e a Bíblia pelo manual de técnicas de vendas e de sucesso empresarial. O “Pastoreai o Rebanho“ foi trocado pelo “Como influenciar pessoas”. Os pastores, assim, estão sofrendo das mesmas conseqüências que a igreja local: a fé cristã tornou-se um evento/momento e a igreja um empreendimento/clube social.
Esta profissionalização do sacerdócio é nefasta! Pastores estão em perigo e precisam de cuidados!
Podemos ver esse perigo estampado nas capas dos inúmeros títulos de livros expostos nas livrarias cristãs sobre o ministério pastoral. A maioria dos livros aponta muito mais do que soluções, revelam necessidades. Necessidades de líderes frente a um mercado religioso competitivo e em constante mudança que favorece o surgimento das mais espetaculares e impensáveis propostas para que o/a pastor/a seja um líder de sucesso.
As propostas que visam apontar o caminho do sucesso, contudo, quase sempre apontam o caminho do esgotamento. Pastores, conforme a tese de mestrado da Dra. Roseli Oliveira, estão no grupo de risco dos profissionais que podem sofrer da Síndrome de Burnout:
Confundida normalmente com o estresse, a síndrome é uma doença ainda pouco conhecida que provoca esgotamento físico e mental e atinge profissionais que trabalham diretamente com situações de conflito, principalmente nas áreas de segurança, saúde e educação, e com pessoas em sofrimento. Os fatores desencadeantes são em geral, sobrecarga de trabalho e, ou, frustração por não atingir as metas propostas, dedicação excessiva ao trabalho (com dificuldade para ter um lazer ou ócio e estar com a família), e falta de autonomia em situações de grande responsabilidade. Na síndrome de Burnout, há um componente relacionado com o ambiente de trabalho, pois o fator gerador da síndrome está não apenas no volume, mas principalmente no ambiente de trabalho (...) Entre pastores e religiosos em geral, embora exista o componente da espiritualidade como fator de saúde, (tópico que será abordado adiante) há muito desgaste em função das demandas constantes, tanto pessoais, quanto da família e comunidade, havendo uma correlação entre exaustão emocional, física e espiritual.
[2]

Uma das grandes causas do esgotamento dos pastores são as exigências projetadas sobre “a função pastoral”. As exigências quanto ao ministério pastoral são múltiplas e complexas. Ao contrário da grande maioria dos profissionais, o pastor não deixa o seu trabalho e sua função pastoral ainda que esteja fora do local de trabalho. Biblicamente, as ações pastorais parecem objetivas e claras! A Constituição da IPI do Brasil, com o propósito de facilitar tal entendimento, até enumera as funções do pastor. Contudo, na rotina diária da igreja local, tudo fica mais complexo e turvo. Não é fácil conciliar as exigências múltiplas de estudo, oração, elaboração de sermões, liturgia, pastorais, atendimentos, aconselhamento, visitações, administração, reuniões – muitas reuniões: do Conselho, do MASD, de casais, das coordenadorias e líderes de ministérios, das comissões de construção, de eventos...
Haja vista a amplitude do campo de atuação do pastoreio, a função pastoral deixa nos seus executores o sentimento de incompetência. Quantas coisas deveriam ser feitas e ficaram por fazer! O trabalho está sempre inacabado, sempre por fazer e sempre necessitando ser refeito. Embora muito tenha sido feito, há sempre uma pendência, sempre uma demanda não atendida.
As expectativas da comunidade pastoreada projetadas sobre o pastor aumentam essa tensão entre ser necessário e importante e desnecessário e incapaz! Atentar para as críticas que se fazem aos pastores é uma forma de compreender como essas expectativas são projetadas sobre os pastores e como estas expectativas, embora sejam em alguns casos legítimas, são o atestado claro de que muitas vezes se espera do pastor mais do que ele tenha possibilidade de suprir.
Conclusão:
Várias são as causas para o esgotamento dos pastores, e não é nosso propósito tratar destas causas neste artigo. Contudo, é certo que pastores precisam de cuidados, assim como cada membro da igreja espera que o pastor exerça cuidados pastorais sobre sua vida. A questão é: quem cuida do seu pastor? Tal questão deve levar cada ovelha a avaliar sua relação com o pastor. O pastor não tem sido transformando muitas vezes em um mero supridor de necessidades de ovelhas que já deveriam há muito tempo estar “equipadas” para a edificação do restante do corpo?
Por outro lado, fica aqui uma exortação aos pastores! É verdade que estes dias nos quais vivemos são complexos e repletos de desafios. Nas áreas política, empresarial e institucional existe a expectativa de que os líderes sejam ao mesmo tempo íntegros, competentes e dinâmicos. Isso aumenta nosso grau de ansiedade e fadiga! Contudo, os ministros devem prestar contas de seus atos não somente aos ‘seus paroquianos’, mas principalmente àquele que os vocacionou e capacitou para o seu nobre ofício — o próprio Deus, Supremo Pastor. Numa época em que o trabalho pastoral se torna uma atividade entre outras, em que os ministros correm o risco de serem meros “profissionais da religião”, os pastores devem voltar mais uma vez à Palavra de Deus e ao desafio que lhes é proposto: “Cumpre cabalmente o teu ministério” (2 Tm 4.5).
Certo é que em alguns momentos o sentimento será o de total incapacidade e improdutividade. Nestes momentos lembremo-nos das palavras de Calvino: “Ainda que o mundo inteiro fosse incrédulo, a verdade de Deus permaneceria inabalável e intocável. E aqueles que ensinam o Evangelho sob o comando de Deus não estão desperdiçando seu tempo, mesmo quando seu labor não produza fruto” (João Calvino, Exposição de Gálatas (Gl.2.2), p. 48-9)

Rev. Ézio Martins de Lima
Secretário de Ação Pastoral da IPI do Brasil

(Texto escrito a pedido da Revista Alvorada pelo dia do pastor 02/09)


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[1] Henri. J. M. Nouwen (1932 – 1996), padre, psicólogo e célebre professor, é muito conhecido no meio protestante por seus livros, nos quais procura reconciliar os paradoxos da vida cotidiana e a espiritualidade cristã. Ele foi professor na University of Notredame, na Yale University e em Harvard. De 1986 até sua morte, em 1996, foi capelão da Arché Daybreak em Toronto, onde viveu em comunidade com pessoas portadoras de deficiência mental.

[2] OLIVEIRA, Margareta Kühnrich Roseli. Cuidando de quem cuida. Tese de Mestrado em Teologia (EST- São Leopoldo), p. 77, 2004. Esta tese foi publicada com o mesmo título pela Editora Sinodal.

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