sexta-feira, março 09, 2007

"cristianismo água-com-açúcar"

Pois bem, então o ateísmo é simplista. E vou lhes fa­lar de outro ponto de vista igualmente simplista que chamo de "cristianismo água-com-açúcar". De acordo com ele, existe um bom Deus no Céu e tudo o mais vai muito bem, obrigado - o que deixa completamente de lado as doutrinas difíceis e terríveis a respeito do pecado, do inferno, do diabo e da redenção. Os dois pontos de vista são filosofias pueris.
Não convém exigir uma religião simples. Afinal de contas, as coisas no mundo real são complexas. Parecem simples, mas não são. A mesa à qual estou sentado pa­rece simples, mas peça a um cientista que diga do que ela é realmente feita: você ouvirá uma longa história a respeito dos átomos e de como as ondas luminosas refle­tem-se neles e chegam ao nervo óptico, provocando um efeito no cérebro. Assim, o que chamamos de "enxergar a mesa" nos leva a mistérios e complicações aparentemen­te inesgotáveis. Uma criança que faz uma oração infantil é algo singelo. Se você estiver disposto a parar por aí, ótimo. Mas, se você não se contentar com isso (coisa que acontece bastante no mundo moderno) e quiser levar avante o questionamento sobre o que realmente acon­tece, tem de estar preparado para enfrentar dificuldades. Se exigimos algo que vá além da simplicidade, é tolice nos queixarmos de que esse algo a mais não é simples. Com muita freqüência, entretanto, esse procedi­mento tolo é adotado por pessoas que não têm nada de tolas, mas que, consciente ou inconscientemente, que­rem destruir o cristianismo. Essas pessoas apresentam uma versão da religião cristã própria para crianças de seis anos e fazem dela o objeto de seu ataque. Quando tentamos explicar a doutrina cristã tal como é entendida por um adulto instruído, elas se queixam de que estamos dando um nó na cabeça delas, de que tudo o que dize­mos é complicado demais e de que, se Deus realmente existisse, teria feiro a "religião" simples, pois a simplici­dade é bela etc. Esteja sempre em guarda contra este tipo de gente, sujeitos que trocam de argumento a cada minuto e só nos fazem perder tempo. Note o absurdo da idéia de um Deus que "faz uma religião simples": co­mo se a "religião" fosse algo inventado por Deus, e não a sua afirmação de certos fatos inalteráveis a respeito de sua própria natureza.
A experiência me diz que a realidade, além de com­plicada, é quase sempre estranha. Não é precisa, nem óbvia, nem previsível. Por exemplo, quando você des­cobre que a Terra e os outros planetas giram em torno do Sol, pensa naturalmente que todos os planetas de­vem se comportar da mesma maneira, que são separa­dos por distâncias iguais ou distâncias que aumentam proporcionalmente, ou que devem aumentar ou dimi­nuir de tamanho à medida que se afastam do Sol. No en­tanto, não encontramos nem métrica nem método (que possamos compreender) nos tamanhos ou nas distâncias. Além disso, alguns planetas possuem uma lua; outros, quatro; alguns, nenhuma; e um planeta tem um anel.
A realidade, com efeito, é algo que ninguém poderia adivinhar. Este é um dos motivos pelo qual acredito no cristianismo. E uma religião que ninguém poderia adi­vinhar. Se ela nos oferecesse o tipo de universo que es­peraríamos encontrar, eu acharia que ela havia sido in­ventada pelo homem. Porém, a religião cristã não é nada daquilo que esperávamos; apresenta todas as mudanças inesperadas que as coisas reais possuem. Deixemos de lado, portanto, todas as filosofias pueris e suas respostas simplistas. O problema não é nada simples, e a respos­ta tampouco.


C. S. Lewis
(Cristianismo Puro e Simples, p. 19-20)

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