O povo evangélico brasileiro é profícuo na criação de jargões e modismos. Termos como “unção”, “cair na unção”, “tá amarrado”, “é tremendo!”, etc., são incorporados ao vocabulário evangélico sem que se dê conta de que não apenas são incompreensíveis para a grande maioria, como também carece de fundamento bíblico o sentido que lhes são atribuídos. O termo “adoração extravagante”, que é título de um livro, é o atual jargão da “moda evangélica”.
A vida cristã, natural e saudável, é constituída de inúmeros aspectos que precisam ser observados, tais como a leitura da Bíblia (leitura devocional e o estudo), a oração, o louvor, a ação de graças, a adoração, a comunhão com a igreja (o corpo de Cristo), o jejum... O problema é que temos a tendência natural de eleger um desses aspectos da espiritualidade cristã, relegando os outros aspectos a um plano inferior.
Quando falamos em “extravagante” normalmente associamos com algo “fora-do-comum”, “anormal” e, num certo sentido, excêntrico. Questiono se estes termos são os melhores para qualificar um discípulo de Jesus. Contudo, é certo que o cristão é alguém cujo estilo de vida o torna diferente e peculiar. Mas em que consiste esta diferença? Na roupa que vestimos ou no vocabulário que usamos? Ser um cristão é ser meramente um repetidor de palavras, de ritos ou de um comportamento padronizado pelo meio?
A vida cristã não pode sofrer nenhuma forma de “reducionismo”! Não podemos decompor o todo da riqueza da expressão de fé cristã e, assim, conceder a uma de suas partes mais atenção e valor que a realidade total. Por isso, mais importante do que ser um “adorador extravagante” é ser CRISTÃO! É ser alguém cuja vida em todas as suas dimensões expressa o Senhorio de Jesus Cristo. E isto pode significar inclusive o abandono do modelo “insosso-gospel”, que padroniza por baixo o evangélico brasileiro, tornando-o em um mero consumidor de produtos do “supermercado da bugiganga gospel”, um repetidor de jargões e um imitador de um modelo “gospel” quase sempre distante do real paradigma: Jesus Cristo!
Seria inteiramente despropositado e sem sentido perguntar de que forma Lutero, Calvino, Knox adoravam a Deus! Será que eles se esparramavam pelo chão? Será que eles levantavam os seus braços? Será que eles se emocionavam durante o culto? Você já parou para pensar como os Apóstolos Pedro e Paulo adoravam a Deus? Por que será que o livro dos Atos dos Apóstolos não se preocupa em detalhar a “liturgia” da Igreja e o comportamento dos cristãos no culto? Não será isto expressão de que a compreensão de adoração era muito diferente da que se tem hoje? Se a adoração a Deus é reduzida ao momento que entoamos alguns poucos cânticos, e se a “qualidade” dessa adoração é medida pelo nível das nossas emoções, não será isso pouco demais?
Quando Atos dos Apóstolos relata a vida da Igreja nos seus primeiros anos não limita adoração às atividades litúrgicas no Templo e muito menos reduz a fé à mera emoção. A vida cristã da igreja nascente não se restringia ao Templo ou sinagogas, e posteriormente às reuniões nas casas ou aos “lugares secretos”. A vida cristã não se limitava ao horário do culto ou terminava após a performance no palco, como acontece em nossos dias! A vida cristã rompe a dimensão do espaço e do tempo litúrgico, pois o lugar do cristão não se restringe nem ao culto, nem à igreja, nem a um evento especial, com horas marcadas. O lugar para a expressão da vida cristã é o mundo. A adoração é em “espírito”; portando, em todos os lugares tenho acesso a Deus. O tempo é agora! A expressão da fé pela adoração dá-se no viver diário e comum, cujos frutos não estão escondidos, mas por serem visíveis se tornam inclusive elementos motivadores para que os “não-crentes” glorifiquem a Deus (Mateus 5.14-15).
A verdadeira adoração é mais do que meros gestos, posturas e emoções. A verdadeira adoração é mais do que barulho, suor e atos de extravagância. Conforme bem definiu o bispo anglicano William Temple: ”Adorar é avivar a consciência pela santidade de Deus, alimentar a mente com a verdade de Deus, purgar a imaginação pela beleza de Deus, abrir o coração ao amor de Deus, consagrar a vontade ao propósito de Deus“. A adoração cristã, ao contrário do conceito pagão de um ato que visa agradar ou barganhar com a divindade, é um ato que devemos praticar continuamente a fim de não nos esquecermos da nossa total e irrestrita dependência da graça de Deus.
A denominada “adoração extravagante” pode ser altamente prejudicial se não gerar uma vida cristã igualmente “além-da-mediocridade”. Se a adoração não for expressão contínua da vida em comunhão com Deus em todas as áreas, tornar-se-á um ato vazio e, portanto, destituído de sentido.
Muito mais do que adoradores extravagantes em busca de um momento individualista de êxtase espiritual, busquemos ser cristãos autênticos, que compreendem que adoração genuinamente cristã consiste em uma vida transformada e transformadora, abençoada e abençoadora, evangelizada e evangelizadora. Afinal, “nenhuma adoração é totalmente agradável a Deus enquanto houver em mim algo desagradável a Deus“. A. W. Tozer
Rev. Ézio Martins de Lima
Seu texto aponta para o equilíbrio em um momento que a igreja evangélica parece sofre de uma certa labirintite espiritual. Atordoada com tantos modismos, ser evangélico pode ser tudo e nada ao mesmo tempo! O que é mesmo dificil é definir o que é 'ser evangélico' num cenário em que a extravagância momentânea tomou o lugar do discipulado constante. Parabéns pela reflexão ponderada. Como você bem apontou, a questão nao é negar a emoção, mas nao reduzir a fé cristã aos arrepios!
ResponderExcluirRev. Carlos Souza
Muito bom o texto. Parabéns.
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